Setembro 17, 2024
Onzes de Setembro | Opinião
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Vale a pena cruzar o legado dos dois 11 de Setembro da infâmia o golpe de Pinochet no Chile (1973), o ataque às Torres Gémeas e ao Pentágono (2001) – com a crónica do verão que está a acabar. Os dois ajudam-nos a perceber a ilusão tóxica em que baseia uma parte substancial da visão do mundo que nos dizem ser aquela “que deve ser”. A visão que o Ocidente (ou aquilo que os governos e as elites que mandam neste lado privilegiado do mundo dizem ser o Ocidente) adota da realidade, e com a qual julga ter construído a própria realidade – a sua e a dos outros.

Disseram-nos neste verão que na Venezuela a vitória eleitoral de Maduro foi uma fraude e não pode ser reconhecida; que na Ucrânia, ao enviarmos cada vez mais armas, defendemos o direito internacional e “a nossa segurança”; mas que o mesmo direito internacional não pode ser invocado na Palestina porque aí o que continua a vigorar, ao fim de 11 meses de genocídio palestiniano, é o direito de Israel a preservar, como nós, a sua “segurança” contra o “terrorismo”.

De segurança se passou a falar de forma obsessiva desde o 11 de Setembro de 2001, e ela é precisamente o mesmo argumento que a Rússia invoca naquela que se recusa a chamar “invasão” da Ucrânia – da mesmíssima forma que o Ocidente se recusa a chamar “invasão” ao que Israel faz na Palestina ou falar de “ocupação” de cada vez que fala de “conflito entre Israel e o Hamas”. Quando a Rússia, uma potência nuclear, invadiu militarmente territórios ucranianos em 2022, disseram-nos que era a paz mundial que era posta em causa e que a Europa ficara sujeita a uma “ameaça existencial” mas Israel, também potência nuclear, pode continuar a ocupar e anexar ilegalmente, não há dois mas há 57 anos, os territórios palestinianos, praticando todos os dias uma limpeza étnica na Cisjordânia, e em modo genocida em Gaza, matando população civil em número incomparavelmente superior que na Ucrânia, sem que neste nosso Ocidente se diga estar em causa a nossa segurança ou a nossa dignidade. Sem que algum governo ocidental se lembre de sancionar Israel, boicotar as suas delegações desportivas, sequestrar bens e proibir relações comerciais. Os mesmos governos que denunciaram Putin por genocídio no Tribunal Penal Internacional (TPI) são os primeiros a recusar-se a cumprir os mandados de captura emitidos pelo TPI por genocídio contra autoridades israelitas.

Semelhante grau de hipocrisia seria muito difícil fazer engolir sem o legado do 11 de Setembro de 2001. Sem impregnar as nossas sociedades de islamofobia, sem transformar todos os árabes (de facto todos os migrantes) em “ameaças existenciais” daquilo que na novilíngua do nacionalismo e do racismo se passou a chamar “o modo de vida ocidental”. Sem impor um ambiente paranóico que deixa de falar de democracia, direitos e igualdade, ainda que fosse só para fins de propaganda, e passou a falar só de “segurança”, “emergência”, “exceção”. E de guerra, como se viu em vinte anos de ocupação do Afeganistão, ou no milhão de iraquianos mortos desde a (e por causa da) invasão de 2003.

O 11 de Setembro de 1973, por seu lado, ajuda a perceber o que está em causa na Venezuela. O golpe que os EUA organizaram no Chile, depois de 150 anos a fazerem o mesmo por toda a América Latina, não foi simplesmente a enésima prova do desprezo norteamericano pelas regras mais básicas do direito internacional e por qualquer forma de autonomia e legitimação eleitoral na América Latina. Foi depor (como voltaram a tentar com Chávez em 2002) um presidente (Allende) democraticamente eleito, abrir caminho, no Chile e logo depois na Argentina, à mais radical matança e tortura de uma geração inteira de ativistas democráticos: 40 mil vítimas de tortura, mais de três mil assassinados feitos “desaparecer”, dezenas de milhares de exilados. E deixar uma lição a quem quisesse construir o socialismo na América Latina em confronto com os EUA: escolha a via que quiser, nós cá estaremos para fazer o de sempre.

Que agora se acuse Maduro de fraude é a menor das novidades e, com todas as complexidades desta eleição em concreto, inscreve-se, já percebemos, nesta tradição que não é nova mas que Trump e Bolsonaro foram renovando nos últimos anos e que já inclui entre nós Ventura e as suas insinuações sobre fraude nas nossas eleições. Apesar de o sistema eleitoral venezuelano ser descrito pela Fundação Carter como o mais seguro do mundo (cada eleitor vota duas vezes, quer por via eletrónica, quer por voto na urna), todas as eleições vencidas por Chávez e por Maduro em 26 anos foram descritas como fraudulentas pelas direitas venezuelanas e pelos EUA e os seus aliados. E fez-se de tudo: duas tentativas de golpes de Estado (2002, 2018); corte de relações com governos venezuelanos em funções, passando unilateralmente a reconhecer como presidentes (Pedro Carmona, 2002; Juan Guaidó, 2018) homens que nunca foram candidatos, muito menos eleitos; sanções e bloqueio económico que provocaram empobrecimento generalizado e emigração maciça; sequestro de bens públicos do Estado venezuelano fora do país à margem de todo o direito internacional…

Estes dois Onzes de Setembro continuam bem vivos. É o que acontece quando uma superpotência pega na caneta e assinala no calendário uma data para a História.

O autor é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico

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