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“Me disseram que vou morrer. É tolo: não deveria ser necessário que alguém me dissesse isso. Mas uma coisa é saber que um dia você vai morrer —e empenhar-se em esquecer que você vai mesmo morrer uma hora— e outra, muito diferente, é te dizerem que há um prazo, e que este nem sequer é longo.”
Assim arranca, para usar uma expressão portenha, o mais recente e provavelmente último livro do cronista mais brilhante da Argentina, Martín Caparrós, “Antes que Nada” (ed. Random House), 67.
Num espaço de pouco menos de dois anos, dois gigantes da literatura local, o romancista Ricardo Piglia (1941-2017) e Caparrós, receberam o diagnóstico de ELA (esclerose lateral amiotrófica).
A coincidência não prova coisa alguma além do terrível fato de que a vida é injusta e parece especialmente cruel quando pessoas que fizeram carreira devido a suas mentes brilhantes terminam seus dias com uma doença que vai aos poucos aprisionando a pessoa dentro do cérebro dela, enquanto vai destruindo o resto do seu corpo.
Piglia contava que a dele havia começado com umas cosquinhas no cotovelo. Caparrós, que sentiu uma perna fraquejar e caiu de bicicleta.
Em coisa de semanas, a vida de ambos mudou para sempre. Mas algo em comum entre os dois é que, inspirados pela ideia tão próxima da morte, resolveram trabalhar como nunca.
Piglia tirou do fundo do armário 327 cadernos que guardavam os diários que vinha escrevendo desde os 14 anos. Ao lado do diretor Andrés di Tella, fez deles um documentário sobre um jovem do interior, de pai peronista, que vai viver na cidade grande e atravessa movimentos sociais e ditaduras da Argentina.
Já conseguindo fazer pouquíssimos movimentos, Piglia ditou para uma assistente os volumes de “O Diário de Emilio Renzi” (ed. Companhia das Letras).
Quando comentei sobre o processo pelo qual passou Piglia com a viúva do historiador Tony Judt (1948-2010), vítima da mesma doença, ela disse: “Foi igualzinho, ele quis reler tudo e com os amigos do lado, ninguém podia ir embora”. Ele também deixou uma obra sobre esse período, “Quando os Fatos Mudam” (ed. Companhia das Letras).
Caparrós segue entre nós. Ele, que sempre foi conhecido por certa rabugice, agora anda bem humorado. Zanza de cadeira de rodas pelos festivais, diz que “saiu do armário” com a ELA, e quando questionado sobre como está, responde: “Estou bem por enquanto, como um homem que está caindo do 30º andar de um prédio”.
A acidez de seus comentários e as desapiedadas descrições que faz do mundo são marca de seu trabalho. A Argentina, nesse sentido, é alvo de suas mais duras críticas. Sobre Javier Milei, por exemplo, disse que tinha “capacidade intelectual reduzida” e que resultaria em um “[Mauricio] Macri ainda mais medíocre”.
Também não engolia os kirchneristas. “Estou convencido, cada vez mais, que as pessoas querem ler bobagens, que sabem muito pouco sobre de onde vem o que leem”, afirmou.
Ao mesmo tempo, num texto que escreveu ao deixar a Argentina uma visita, lemos sobre uma verdadeira guerra verborrágica entre ele e um motorista que defendia os peronistas. De repente, ambos param. Tocam no rádio umas notas de um tango famoso. Eles cantam juntos.
Seria extremamente importante que Caparrós continuassem entre nós, por ele, sua mulher, e para todos os que queremos saber onde essa aventura vai dar.
As perspectivas não são boas, mas algumas dicas estão em “Antes que Nada” (que significa, em português, “antes de qualquer coisa”). Deixemos de esperar os diagnósticos.
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