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Esta entrevista foi feita em dois momentos da semana passada: na terça, em formato presencial durante passagem de Jeferson Bittencourt por Porto Alegre, e na sexta, depois da série de anúncios e recuos relacionados ao orçamento. Gaúcho, Bittencourt atuou na assessoria econômica da Fiergs e foi secretário do Tesouro durante a gestão de Paulo Guedes no então Ministério da Economia. Hoje é líder de Macroeconomia no ASA, instituição financeira focada em pessoas físicas de alta renda, empresas e clientes institucionais. Tem, portanto, conhecimento profundo das minúcias da gestão das contas públicas e de como são tomadas as decisões, além da visão bem informada sobre o futuro da dívida brasileira.
Qual é seu balanço dos anúncios do final da semana?
Simplificando, o Brasil pagou caro para ter notícia ruim. Os ajustes trazidos pela equipe econômica são um choque de realismo. Reduziram-se receitas superestimadas, elevaram-se despesas subestimadas, o que implicou piora da projeção oficial de déficit. Para evitar que fosse ainda maior, o governo optou elevar o IOF, que não precisa aval do Congresso, gerando ruídos no mercado de câmbio, crédito e seguros.
Qual o cenário à frente?
A meta para este mandato é zero de resultado primário neste ano, com banda de 0,25% (do PIB) para cima e para baixo, e 0,25% de superávit no ano que vem, com a mesma tolerância. Não dá conforto para a sustentabilidade da dívida. No curto prazo, usando a metáfora da política monetária, vejo um balanço assimétrico na política fiscal. No melhor dos cenários, o governo faz um esforço hercúleo e entrega uma meta insuficiente. No pior, teremos uma derrapada fiscal em que o governo poderia tomar medidas que fragilizem ainda mais a política fiscal por conta da eleição.
Reajuste do Bolsa Família, por exemplo. Um aumento de R$ 100 no Bolsa Família equivale a uma despesa adicional de R$ 25 bilhões por ano.Está claro para todo mundo que não vamos ter ajuste estrutural da política fiscal no próximo ano e meio. Temos uma regra estabelecida em 2023, o arcabouço fiscal, que nunca fez com que as projeções de dívida começassem a cair em algum momento. Veio depois da PEC da Transição, que aumentou a despesa pública em quase 1,7% do PIB de um ano para o outro. E em cima disso, foi estabelecida uma regra de crescimento para a despesa. Ficou claro que o volume de receita necessário para gerar resultados primários era muito grande e, muito provavelmente, a sociedade e a política não iam aceitá-lo. Foi mais ou menos o que vimos nos períodos subsequentes, o governo mandando propostas de alterações tributárias para gerar mais arrecadação, e essas propostas sendo rechaçadas ou desidratadas. Não se vê, até o final do ano que vem, equilíbrio permanente das contas públicas. Conseguimos, no máximo, reduzir o tamanho do estrago. E ainda há risco de medidas com potencial de trazer desequilíbrios permanentes adicionais.
E é mais ou menos a margem de tolerância da meta.
Exatamente. É como se consumisse toda a margem de tolerância da meta com uma medida só. Dá para ter uma ideia de quanto cresceu o Bolsa Família. Em 2018, era R$ 28 bilhões e atendia 13 milhões de famílias. É uma medida que preocupa muito, porque hoje o mercado não vê um ajuste fiscal em um ano e meio, mas vemos medidas que podem dificultar o ajuste de um ano e meio para frente. É o tipo de derrapagem que é preocupante.
Em caso de ajuste fiscal, o que teria de acontecer com o Bolsa Família?
O programa tem uma grande vantagem sobre outros assistenciais: não é indexado. Não é como a previdência, o BPC, não tem vinculação nem obrigação constitucional de corrigir pela inflação. A Constituição obriga a corrigir o salário mínimo pela inflação, e mais 50% dos benefícios da Previdência são de um salário mínimo. Então, é um programa que, se não fizer nada, já resolve.
Há risco de dominância fiscal?
É uma discussão que sempre estará como um fantasma, assombrando, enquanto a dívida for muito maior do que a de nossos pares e muito mais cara comparando com qualquer país. O Brasil, em condições normais, não com esse juro de agora, mas na casa de 8%, precisa de quase 3% do PIB de superávit primário para estabilizar a dívida, e estamos entregando déficit. Mas o Brasil não tem dificuldades para rolar a dívida, e a política monetária consegue reduzir a inflação. Está difícil porque um lado pisa no freio, e outro, no acelerador. Não está funciona porque há estímulo à atividade, não porque há dominância fiscal.
O que fazer com as emendas, que têm peso excessivo no orçamento?
A ministra (do Planejamento e Orçamento), Simone Tebet, com muita propriedade, disse que na passagem deste mandato para o próximo teremos de fazer exatamente o contrário do que ocorreu na transição de 2022 para 2023, uma PEC para aumentar gastos e recompor o orçamento. Para passar a PEC da Transição, as emendas constitucionais passaram de 1,2% para 2% da receita corrente líquida. Quanto vão ser quando tivermos de fazer o ajuste? Esse é um tema relevante que precisa ser encaminhado, porque o nível de despesa livre está muito baixo. E precisamos entender o que queremos como o país. Ou é presidencialista, ou já fomos para o semipresidencialismo e não sabemos. É uma coisa meio esquizofrênica do nosso arranjo político. É difícil pensarmos que as emendas são quase um quarto de toda despesa discricionária, sem que o Parlamento seja vinculado à execução de políticas públicas. Ou tem orçamento e compromisso, ou tem menos orçamento.
Nessa discussão, é mais provável virarmos um país semipresidencialista do que diminuir a proporção das emendas.
Até quando a Selic fica em 14,75%?
Por menos tempo do que deveria. Acho que não fica até o final do primeiro trimestre do ano que vem.
Precisava. A expectativa de inflação é 3,6% (para 2026)mas tinha de estar em 3%. E a desancoragem de expectativas não tem custo lá no próximo ano, mas hoje, porque as pessoas formam preço pensando no que imaginam que vai ser a inflação no futuro. A desancoragem é importante e parece estar ganhando peso menor na decisão do Banco Central. Se o juro se mantiver nesse patamar além do primeiro trimestre, vou começar a acreditar que o peso não está tão pequeno assim.
E como entender recorde de bolsa nesse cenário descabelado que estamos vivendo?
Parte é a monogamia (mercado se foca em um assunto por vez). A situação estrutural da guerra tarifária é que o mandato de Trump vai ter incerteza durante todo o tempo, porque a tarifa é, para ele, um instrumento de negociação em qualquer caso. E não tem nada mais danoso para decisão de investimento do que instabilidade de regra. É por isso que falo sobre a regra fiscal de 2027. Se não sabemos qual é a regra, a decisão é muito mais arriscada. Estruturalmente, o cenário nos EUA é de incerteza, mas sair de um patamar irrazoável de tarifa com a China e vir para um patamar onde algum negócio sai traz alguma animação para o mercado. É a monogamia e um ambiente menos desfavorável nessa relação específica.
*Colaborou João Pedro Cecchini
Leia mais na coluna de Marta Sfredo
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