Maio 6, 2025
Chico Buarque e o drible na ditadura ao lançar a clássica ‘Apesar de você’

Chico Buarque e o drible na ditadura ao lançar a clássica ‘Apesar de você’

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Chico Buarque foi um dos artistas mais visados pela ditadura militar. Opositor do regime, ele participou da Passeata dos Século Milénio, em 1968, no Rio, e, no mesmo ano, escreveu o espetáculo “Roda Viva”, um símbolo de rebeldia que virou claro da violência de simpatizantes do governo. As obras do responsável eram frequentemente censuradas. Mesmo assim, o poeta da MPB, que completa 80 anos nesta quarta-feira, driblou diversas vezes o magnificência criado pelos generais para bloquear críticas. Um desses “olés” foi o samba “Apesar de você”.

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Lançada no término de 1971, repleta de alfinetadas na ditadura instalada posteriormente o golpe militar de 1964, a música, hoje um clássico, passou sem ressalvas pelo crivo da exprobação. O compacto, que incluía ainda a música “Desalento”, teve alguma coisa em torno de centena milénio cópias vendidas em coisa de três meses. Só em em maio de 1971, quando a obra já havia tocado muito nas rádios, e boa secção do público cantava os versos de cor, os militares se deram conta do “gol” que tinham tomado por debaixo das pernas.

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O Brasil vivia o momento mais tenso do período dominador, em plena vigência do Ato Institucional 5 (AI-5), que suspendeu garantias individuais. Editado em 13 de dezembro de 1968 pelo presidente Artur da Costa e Silva, o decreto abriu caminho para a prisão e a tortura de uma série opositores. Caetano Veloso e Gilberto Gil foram encarcerados duas semanas posteriormente a publicação do AI-5. Eles estavam na enxovia quando, no dia 4 de janeiro de 1969, Chico Buarque partiu em uma turnê na Itália. Temendo ser recluso em seu retorno ao Brasil, decidiu permanecer por lá, em auto-exílio, até a poeira encolher.

Chico Buarque: O compacto com a música '"Apesar de você"de 1970 — Foto: Reprodução
Chico Buarque: O compacto com a música ‘”Apesar de você”, de 1970 — Foto: Reprodução

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O compositor achou que poderia se manter fazendo shows na Europa. Mas a veras foi outra. Não havia mercado para música brasileira no Velho Mundo, porquê existe hoje. Os convites para novas apresentações eram raros. Sem condições de recusar ofertas, o planeta da MPB saiu em turnê escoltado de Toquinho, abrindo shows para a diva do jazz Josephine Baker, cantora de origem americana que atuara na resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial.

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Mesmo lidando com dificuldades financeiras, Chico viveu durante 14 meses na Itália. Sua primeira filha com a atriz Marieta Severo, a também atriz Silvia Buarque de Holanda, nasceu no país europeu. O parelha estava “grávido” da segunda rapariga, Helena, quando o compositor e sua companheira decidiram que não dava mais pra permanecer no Velho Continente. O próprio artista disse, em entrevista ao GLOBO publicada anos mais tarde, em julho de 1979, que “depois de dois meses eu já não tinha o que fazer por lá”.

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Mas ele não podia retornar na surdina. Seria um prato pleno para a repressão prendê-lo sem ninguém saber, porquê foi com Caetano. Portanto, Chico e os amigos espalharam para todo mundo sobre a chegada dele, às 8h do dia 20 de março de 1970. Quando o avião baixou no Aeroporto do Galeão, no Rio, havia uma claque de famosos, porquê Paulinho da Viola, Nelson Motta e Betty Faria, além da prelo. “Volta de Chico Buarque deu sarau para a noite inteira”, dizia a reportagem do GLOBO, no dia seguinte.

Chico Buarque com Marieta Severo e a filha Sílvia chegando no aeroporto, em 1970 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Chico Buarque com Marieta Severo e a filha Sílvia chegando no aeroporto, em 1970 — Foto: Registro/Filial O GLOBO

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O texto da material descrevia a recepção armada pelos amigos no badalado restaurante Antonio’s, no Leblon, na Zona Sul do Rio. “O meu whisky é sem gelo, Manolo, já esqueceu de mim?”, reclamou o compositor recém-chegado, dirigindo-se ao proprietário do hoje extinto estabelecimento. Manolo, por sua vez, brincou dizendo que tinha até deixado a barba crescer, porquê promessa, para só raspar quando o cantor retornasse ao país. “Vou trinchar amanhã”, garantiu o possuidor do restaurante.

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Só que o Brasil não estava para sarau. O AI-5 inaugurou o que historiadores chamam, hoje, de “anos de chumbo”. Grupos de luta armada roubavam bancos para se financiar e sequestravam embaixadores para libertar presos políticos. Órgãos de repressão prendiam, torturavam e matavam os supostos “terroristas” sem explicação. A maior secção dos desaparecidos políticos foi presa de 1969 a 1974. O nacionalismo extremista manteúdo pela propaganda solene tinha um lema: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

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Foi nesse clima sombrio que Chico compôs o samba “Apesar de você”. O responsável carioca submeteu a letra à exprobação achando que poderia ser vetada, mas o encarregado de estimar a música comeu mosca e não entendeu que o “você” do verso-título era a própria ditadura: “Hoje você é quem manda/Falou, ’tá falado/ Não tem discussão, não/ A minha gente hoje anda falando de lado/ E olhando pro solo, viu/ Você que inventou esse estado/ E inventou de inventar/ Toda a negrume…”

Chico Buarque com Vinicius de Moraes no restaurante Antonio´s, em 1970 — Foto: Rubens Seixas/Agência O GLOBO
Chico Buarque com Vinicius de Moraes no restaurante Antonio´s, em 1970 — Foto: Rubens Seixas/Filial O GLOBO

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Cantada por artistas famosas porquê Clara Nunes e Elizeth Cardoso em shows e nas rádios, a música do poeta de logo 26 anos não demorou a fazer sucesso. Por qualquer tempo, o próprio Chico pensou que a obra não seria mais embargada. Até que, em fevereiro de 1971, o jornalista Sebastião Nery, da “Tribuna da prelo”, escreveu que seu fruto e os colegas ouviam “Apesar de você” porquê se fosse o Hino Pátrio. Sem querer, ele tinha oferecido a deixa pra tudo principiar a recuar.

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No início, muita gente pensava que a música se referia a qualquer relacionamento infeliz. Provavelmente, foi o que achou o censor que autorizou a letra. Mas, aos poucos, ficou simples que se tratava de uma sátira velada ao regime dos generais. Não faltaram indiretas de colunistas sociais e locutores de rádio. No dia 9 de janeiro de 1971, por exemplo, uma nota solta na pilar de Nina Chavs no caderno “Ela”, do GLOBO, soprava: “A elaboração de Chico Buarque ‘Apesar de você’ tem mensagem, tem mensagem”.

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Sebastião Nery queria elogiar o samba quando escreveu a nota na “Tribuna”. Mas deu ruim, e ele foi chamado para depor na delegacia. A partir daí, surgiram os primeiros rumores de que a música seria vetada. No dia 12 de abril, o colunista Carlos Swann, do GLOBO, publicou um questionamento em sua pilar: “Ninguém sabe o porquê da proibição de ‘Apesar de você’ no show de Elizeth Cardoso no Canecão. A melodia deveria fechar o espetáculo, sendo, entretanto, interditada”, escreveu ele.

Chico Buarque em sua casa com a filha Silvia, em 1971 — Foto: Eurico Dantas/Agência O GLOBO
Chico Buarque em sua lar com a filha Silvia, em 1971 — Foto: Eurico Dantas/Filial O GLOBO

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Semanas depois, no dia 7 de maio de 1971, os veículos de notícia receberam uma nota solene informando sobre a proibição da fita. “Para mim, é surpresa”, comentou o próprio compositor em entrevista ao GLOBO. “Antes de gravar a música, mandei a letra para a Increpação Federalista de Brasília, que a liberou. Depois, tive probleminhas que foram resolvidos. Agora, acho bastante estranha esta atitude, se realmente ocorreu, pois a música está superconhecida e há cinco meses em papeleta”.

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Para não restar incerteza, militares invadiram a fábrica da gravadora Phillips e destruíram todas as cópias do compacto no estoque. Os exemplares a venda nas lojas foram recolhidos e também destruídos. Ainda que já fosse um sucesso, a música foi proscrita e, mesmo nos nossos arquivos, não há menção de seu nome até 1977, quando o processo de fenda política havia sido iniciado, e o país caminhava para o retorno à democracia de forma “lenta, gradual e segura”, conforme os planos dos militares.

Chico também foi chamado para depor e teve a frieza de proferir, diante da polícia política, que o “você” da letra era uma “mulher mandona, autoritária”. Mas não teve jeito, o varão ficou marcado e passou a ter mais obras vetadas. “De cada três músicas que faço, duas são censuradas. De tanto ser censurado, está ocorrendo comigo um processo inquietante. Eu mesmo estou começando a me autocensurar. E isso é péssimo”, disse o poeta antes de um show no Canecão, em setembro de 1971.

Chico Buarque: A letra de "Cálice" com anotações do veto da censura — Foto: Reprodução
Chico Buarque: A letra de “Cálice” com anotações do veto da exprobação — Foto: Reprodução

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A partir daí, foram vários trabalhos dele censurados, porquê a música “Cálice”, com Gilberto Gil, e a peça “Calabar: o encómio da traição”, escrita com Ruy Guerra e proibida no dia da estreia, 20 de outubro de 1974, no Rio. O espetáculo estava pronto. Foi uma riqueza jogada no lixo. No mesmo ano, Chico lançou o sugestivo “Sinal fechado”, álbum com músicas de outros autores, à exceção da fita “Acorda, paixão”, assinada por Julinho da Adelaide, pseudônimo que ele inventara para despistar a ditadura.

As coisas só começaram a melhorar nesse vista em 1977, quando até mesmo “Apesar de você” voltou a tocar em algumas rádios. No ano seguinte, a música figurava porquê a última fita do lado B do álbum “Chico Buarque”. Porém, em entrevista publicada por Nelson Motta em sua pilar no GLOBO, o próprio compositor contou que não ficou muito feliz ao incluir a música. Ele disse que esta e outras canções pertenciam “ao pretérito” e que chegara a pensar em excluir a fita daquele LP.

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“‘Apesar de você’ é um desabafo que tem um tom feliz, mas sem deixar de ter um tom de revolta. E revolta não é o tom das músicas que estou fazendo agora. Cheguei a pensar se deveria excluir, mas achei que poderia ser uma atitude pirracenta e até infantil. A gente mais novidade nunca ouviu a música, que já tem oito anos e ficou marcada por ter sido lançada e proibida. Sabendo que as pessoas gostariam de ouvi-la, não me achei no recta de não gravá-la”.

Chico Buarque em fileira da artistas na Passeata dos Cem Mil em 1968 — Foto: Arquivo/Agência O GLOBO
Chico Buarque em fileira da artistas na Passeata dos Século Milénio em 1968 — Foto: Registro/Filial O GLOBO

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