O Senado volta a discutir nesta segunda-feira (27) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022 que transfere a propriedade dos terrenos do litoral brasiliano, hoje sob o domínio da Marinha, para estados, municípios e proprietários privados. Sancionado em fevereiro de 2022 na Câmara dos Deputados, a PEC estava paragem na Percentagem de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado desde agosto de 2023.
Uma audiência pública discute hoje o tema, que está sob a relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e enfrenta resistência da base governista. Organizações ambientalistas alertam que a proposta traz o risco de privatização das praias por empreendimentos privados e pode comprometer a biodiversidade do litoral brasiliano.
Além das praias, a Marinha detém a propriedade de margens de rios e lagoas onde há a influência das marés.
De combinação com o Observatório do Clima, “esse é mais um projeto do Pacote da Devastação prestes a ser votado. Isso põe em risco todo o nosso litoral, a segurança pátrio, a economia das comunidades costeiras e nossa adaptação às mudanças climáticas”.
Para o grupo que reúne diversas entidades de resguardo do clima e do meio envolvente, os terrenos da Marinha são guardiões naturais contra enchentes, deslizamentos e eventos climáticos extremos.
“Essa resguardo é necessário para a nossa segurança e resiliência. Essas áreas preservam nossa biodiversidade e estabilidade dos ecossistemas costeiros. Privatização pode trazer danos irreversíveis”, afirmou o Observatório, em nota.
A PEC exclui o inciso VII do item 20 da Constituição, que afirma que os terrenos da Marinha são de propriedade da União, transferindo gratuitamente para os estados e municípios “as áreas afetadas ao serviço público estadual e municipal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos”.
Para os proprietários privados, o texto prevê a transferência mediante pagamento para aqueles inscritos regularmente “no órgão de gestão do patrimônio da União até a data de publicação” da Emenda à Constituição. Outrossim, autoriza a transferência da propriedade para ocupantes “não inscritos”, “desde que a ocupação tenha ocorrido pelo menos cinco anos antes da data de publicação” da PEC.
Ainda segundo o relatório, permanecem porquê propriedade da União as áreas hoje usadas pelo serviço público federalista, as unidades ambientais federais e as áreas ainda não ocupadas.
MMA
Em entrevista hoje à Rádio Vernáculo, a diretora do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Envolvente (MMA), Ana Paula Prates, defendeu que esses terrenos, hoje com a União, funcionam porquê proteção contra as mudanças climáticas.
“Concluir com essa figura é um retrocesso enorme. A PEC termina com essa figura dos terrenos de Marinha, que são terrenos da União, e passa gratuitamente para estados e municípios, para poder, inclusive, privatizar essas áreas”, disse.
A representante do MMA acrescentou que a PEC não privatiza diretamente as praias, mas pode levar ao fechamento dos acessos às áreas de areia. “Na hora em que esses terrenos todos que ficam em seguida as praias forem privatizados, você começa a ter uma privatização do chegada a elas, que são bens comuns da sociedade brasileira”.]
Resguardo
O senador Flávio Bolsonaro defende, em seu relatório, que a mudança é necessária para regularizar as propriedades localizadas nos terrenos da Marinha. “Há, no Brasil, inúmeras edificações realizadas sem a ciência de estarem localizadas em terrenos de propriedade da União”.
Segundo Flávio, “os terrenos de marinha causam prejuízos aos cidadãos e aos municípios. O cidadão tem que remunerar tributação exagerada sobre os imóveis em que vivem: pagam renda, taxa de ocupação e IPTU. Já os municípios, sofrem restrições ao desenvolvimento de políticas públicas quanto ao planejamento territorial urbano em razão das restrições de uso dos bens sob domínio da União”.
O senador fluminense argumenta ainda que a origem do atual domínio da Marinha sobre as praias foi justificada pela premência de resguardo do território contra invasão estrangeira, motivo que não mais existiria, na visão do parlamentar.
“Atualmente, essas razões não estão mais presentes, notadamente diante dos avanços tecnológicos dos armamentos que mudaram os conceitos de resguardo territorial”, disse no parecer da PEC.
Audiência
Na audiência pública desta segunda-feira, a CCJ do Senado deve ouvir a Coordenadora-Universal do Departamento de Oceano e Gestão Costeira do Ministério do Meio Envolvente (MMA), Marinez Eymael Garcia Scherer; a representante Movimento das Pescadoras e Pescadores Artesanais (MPP); Ana Ilda Nogueira Pavã; o diretor-Presidente da Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), Murillo Barbosa; o prefeito de Florianópolis (SC), Topázio Silveira Neto, entre outros convidados.