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As igrejas evangélicas “prometem às pessoas o que elas querem, agora: saúde e riqueza. E é por isso que é a fé dos trabalhadores pobres do mundo”, explica Elle Hardy, autora de uma exposição sobre a disseminação global da religião. Estamos muito longe da compreensão do sociólogo Max Weber sobre a maneira como o protestantismo sustentava o capitalismo: trabalho duro, dever, sacrifício e gratificação adiada, em nome de recompensas na vida após a morte. Hoje, é a Ética Protestante e o Espírito de Grifting. Como Hardy me diz, “essas pessoas não estão lendo Lutero, estão lendo biografias de Elon Musk”.
Em um contexto de ampla e profunda desconfiança nas instituições, as igrejas neopentecostais também rejeitam autoridades tradicionais, sejam elas padres ou políticos. Seus adeptos, sentindo-se sitiados pelo mundo ao redor deles, são informados pelos pastores que somente você, o crente, pode se livrar desse buraco. Mas a igreja também fornece uma comunidade em meio a esse individualismo. Em uma economia precária, a pequena microempresa que você cria para sobreviver encontrará clientes dispostos entre os fiéis — uma vez que receba o endosso do seu pastor. O apelo aqui para os pobres e em dificuldades é óbvio.
Essas transformações sociais têm consequências políticas claras. Há uma grande bancada evangélica multipartidária no Congresso: 195 deputados federais (38% da câmara baixa) e 8 senadores. Os neopentecostais são uma boa proporção deles. De acordo com o meio de comunicação Metrópoles52 deputados eleitos em 2018 são neopentecostais.
Essas igrejas têm sua base na seção mais pobre da população, mas nas últimas duas décadas, as fileiras dos fiéis têm ascendido firmemente ao que é chamado no Brasil de “nova classe média”. Os anos “lulistas”, de 2003 a 2016, viram um forte crescimento, transferências de dinheiro para os pobres, uma expansão do crédito e novas universidades privadas sustentadas pelo acesso a empréstimos estudantis. Mas isso não foi igualado por serviços públicos melhorados, enquanto ao mesmo tempo a taxa de sindicalização caiu vertiginosamente. A estagnação da criação de empregos formais resultou em uma taxa de informalidade superior a 40%. Para os brasileiros pobres e de classe média baixa, a oportunidade coexiste com extrema precariedade.
O resultado foi um país muito mais individualista no qual o estilo de autoajuda de Marçal floresceu. “Imagine-se um bebê que é tirado de uma família real no castelo e dado a uma família pobre. Mas conforme você cresce, você olha para o castelo e pensa: ‘Eu pertenço a esse lugar’”, prega Marçal.
Uma antiga seguidora de Marçal processou a coach de vida por encorajá-la a tornar essa visão uma realidade — ao deixar seu emprego estável e começar seu próprio negócio. No tribunal, a autora alegou que Marçal lhe disse: “não deveríamos ser celetista” (uma referência à CLT, a lei trabalhista brasileira que garantia direitos trabalhistas e, portanto, uma abreviação para emprego formal), dado que “nascemos para prosperar”. “Ele acredita que todos devem escolher se tornar empreendedores, que devemos ouvir nosso ‘coração’… e não ser escravizados”, ela explicou, argumentando que Marçal ataca os vulneráveis.
Marçal alavanca essa atitude na política. “Eu sinto vontade de ir até cada pessoa e gritar: ‘Vocês estão dormindo, vocês são zumbis, vocês não querem que o Brasil melhore? Vocês não querem mudança!?’ O que eu quero? Eu quero que vocês prosperem”, ele exclama em uma transmissão ao vivo recente.
Em seu site oficial de campanha, há cinco pedras-chave. A primeira é “cada brasileiro um governador”. Mas este não é um slogan democrático, é um individualista, que se encaixa com seu discurso evangélico mais amplo sobre prosperidade. Isso se torna evidente em outra pedra-chave, “cada família uma nação” — um slogan que poderia ressoar tão bem quanto os eleitores conservadores e evangélicos de Bolsonaro. A família está sob ameaça e precisa de defesa contra o mundo exterior hostil. A sociedade não está em lugar nenhum. Só existe “minha pátria, minha família”, como diz outra pedra-chave.
Os ecos políticos do bolsonarismo devem ser óbvios aqui. De fato, o afiado Marçal chama o presidente de meramente um “antibiótico vencido”: ele fez seu trabalho, mas agora o momento passou. “Eu direi isso até meus últimos dias, até que Bolsonaro me entregue a [presidential] faixa. Vou me ajoelhar, lavar os pés dele e agradecer por ter me livrado do PT [the Workers’ Party]”, explicou Marçal.
Ao mesmo tempo, Marçal tem buscado se distanciar do caótico Bolsonaro. “Eu sou a resistência!”, ele diz. “Nenhuma das outras ‘terceiras vias’ resistiu, eu sou a terceira via com que todos nós sonhamos!”
De fato, uma enorme gama de outros políticos mais estabelecidos fizeram testes para a “terceira via” — entre Lula e Bolsonaro — e falharam. Anteriormente, na eleição de 2018, esses políticos, principalmente da direita estabelecida, apoiaram Bolsonaro no segundo turno. Este ano, eles acreditavam que tinham uma chance de ser presidente. Afinal, Bolsonaro não pode mais alegar ser um outsider, e seu “desgoverno” repeliu muitos.
Mas o retorno de Lula — o presidente mais popular da história brasileira — engoliu o voto anti-Bolsonaro. E os brasileiros não têm amor pelos políticos pouco carismáticos da direita tradicional. Esses são os “cuckservatives”, no jargão da internet americana, que viram a maior parte de seus eleitores abandoná-los em favor da extrema direita. A maioria deles relutantemente ficou atrás de Lula na busca por alguma estabilidade temporária.
No entanto, se Lula derrotar Bolsonaro como esperado, a nova direita antissistema, com sua base em canais de direita do YouTube, precisará de um campeão. Este é, sem dúvida, um terreno que Marçal ou alguém como ele pode explorar. Por exemplo, Marçal já alertou que a promessa de Lula de reverter uma grave reversão dos direitos dos trabalhadores “permitirá uma enorme corrupção”. A mensagem aqui? Abrace a precariedade, jogue-se no mercado, confie apenas em si mesmo, na sua família e em Deus.
E assim, em todo o país, a crescente incerteza da vida brasileira significa que o país continuará a ser um terreno fértil para o tipo pastor-treinador. O crime violento força um recuo para uma postura defensiva dentro da unidade familiar. A informalidade econômica significa que a atração do empreendedorismo puxa mais forte do que a de um emprego estável, em si uma raridade crescente. O descrédito das instituições tradicionais cria uma demanda por novas fontes de autoridade. O declínio da tradição e do catolicismo — com sua inclinação mais coletiva — deveria estar fornecendo uma abertura para políticas progressistas e seculares. Mas para muitos, na ausência de alguma grande ideia nova para preencher o vazio de significado, também representa uma ameaça aparentemente existencial. Se o domínio público promete pouco, por que não ver se um pouco de “desbloqueio mental” pode torná-lo rico?
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