O jornalismo grande – 18/02/2025 – Opinião

Plutarco dizia que “o mundo do homem é melhor capturado através da vida dos homens que criaram a história”. Aqueles a quem temos por primeiros homens provaram o gosto da terra e encontraram nela uma doçura deliciosa, reza a lenda de Sidarta Gautama.

Crescemos ao abrigo desses homens e mulheres que se abriram ao mundo, depuraram a dor e se elevaram além do sofrimento para nos legar a ideia de que a felicidade é o destino final de todas as coisas. Eles a encontraram, partilharam e ensinaram em seus diversos caminhos. Essa memória de um legado que coletivizamos, num conhecimento comum, no Estado, nos nomes que damos aos nossos filhos, às ruas e às cidades que se fazem presentes na leitura diária de nossa vida.

O jornal: um espelho dessas referências silenciosas, das nossas desgraças e da sequência a que elas apelam —pois, aprofundando os fatos, algum entendimento talvez as faça menos dolorosas, mais toleráveis, úteis para nos guiar em decisões na nossa vida. O grande jornalismo guarda o mesmo valor dos próceres quando dá continuidade às histórias que noticia. As notícias vão passando pelo filtro dos moradores, das autoridades, dos pensadores de questões complexas, das muitas opiniões e, assim, criam a pluralidade, nos fazem de novo contemplar o arvoredo.

Agora nós enfrentamos um tempo que busca reiterar verdades como se elas não precisassem de nenhuma depuração ou discernimento. A grandeza de um país está sendo ditada por um pensamento monolítico de exclusão de tudo que de si destoe. O discurso intransigente coexiste com a reclamação de uma liberdade irrestrita de opinião: um paradoxo. Disso uma política que resulta de transformar tudo em embate, que produz sofrimento, que não se importa com a história do que deu certo e do que não funciona.

É a pequenez dos que nunca sofreram por algo além de si mesmos e que, portanto, nunca tiveram de superar nada para trazer felicidade aos outros… Uma falsa promessa de grandeza.

Viver sob o vendaval das coisas é inevitável em uma sociedade baseada na maledicência dos vizinhos desocupados, dos frios burocratas enfocando acusação, dos homens pequenos com suas mulheres luxuosas a tiracolo, interessados em lucrar na tragédia do presente.

Mas o grande jornalismo é a arte de superar a realidade que noticia, dando a ela um melhor entendimento. Na beleza resiste o eco das palavras que produziram aqueles frutos doces que provaram os primeiros homens… O grande jornalismo serve para dar um tapa de luva em homens que vivem do erário público como se fossem divas bêbadas; que não suspeitam de onde vem a grandeza dos países —dos homens grandes, capazes de pensar antes no outro do que em si mesmos, incapazes de lemas idiotas para arrebanhar idiotas.

O grande jornalismo é uma montanha de lava que se ergue para acabar com o estado depressivo, raquítico e parasitário de um homicida deformado, com a sua obsessão de reaver o anel de Giges. O grande jornalismo retira mulheres de um papel opaco, de acessório postiço, e aufere delas brilho e dignidade.

Eu sou leitora da Folha há muitos anos, e os 104 anos deste jornal me fazem refletir sobre o que faz a longevidade de um periódico: talvez não sejam apenas os anúncios nem o relacionamento com os poderosos ou a publicidade editorial que agrada aos leitores. Talvez os responsáveis sejam os grandes jornalistas que eu tanto prezo, capazes de mergulhar na tragédia e nos salvar dela, atentos a fazer chegar a informação aos seus leitores mas também a encontrar perspectivas: os que vão se sucedendo nesse ofício. Sim: enquanto o jornalismo grande existir, comemoremos…

<sub>TENDÊNCIAS / DEBATES

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