Março 22, 2025
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A depender do que se pratica em nossa sociedade, a democracia parece ser algo etéreo, abstrato e amorfo, permitindo que cada qual atribua a ela a forma e o jeito de ser que mais lhe convém. Todos a defendemos, mas poucos efetivamente a praticam no âmbito das suas relações.

Quando olhamos para as entidades da sociedade civil do nosso país, não é difícil perceber que a prática está muito longe da teoria. Recente reportagem do jornal Folha de São Paulo revelou, por exemplo, a eternização de presidentes de partidos políticos no Brasil. Sucessivas reeleições permitem que dirigentes fiquem por 10, 15 e até 20 anos à frente de agremiações partidárias como se em seus quadros não houvesse gente capaz para assumir a condição de dirigente partidário, e como se a alternância não fosse essencial para a prática democrática.

Tida como a mais importante e expressiva entidade da sociedade civil brasileira, a OAB é exemplo claro de que o abstrato conceito de democracia permite que façamos dele o que quisermos. O sistema eleitoral da OAB – e notadamente as eleições para o seu Presidente Nacional – é exemplo claro de distorção e da distância que separa o discurso da prática.

Apesar da sua inegável importância, o presidente da OAB é eleito pela via indireta, advogados e advogadas não participam da sua escolha. São apenas 81 eleitores. Aliás, a prática tem se revelado ainda pior, a eleição é decidida através de assinaturas dos presidentes das Seccionais em listas de apoiamento que circulam no ano anterior ao da eleição do presidente Nacional da OAB.

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Recuperar a importância política da OAB passa necessariamente por democratizar o seu processo eleitoral. A OAB lutou pelas eleições diretas no Brasil, mas, paradoxalmente, não pratica aquilo que prega

Ou seja, na prática são apenas 27 eleitores do presidente da mais importante entidade da sociedade civil brasileira que resolvem a eleição via abaixo-assinado. Candidaturas de oposição não existem, como se o pensamento da advocacia nacional fosse monolítico, como se não houvesse divergências e tampouco visões diferentes do enfrentamento de temas que afligem a advocacia brasileira.

A última disputa eleitoral da OAB aconteceu há mais de dez anos, quando disputei e perdi a eleição. À época, uma das principais plataformas da minha candidatura era exatamente instituirmos as eleições diretas para a presidência nacional da OAB. De lá para cá tivemos apenas candidaturas únicas com eleições definidas por abaixo-assinado.

Importante deixar claro que não sou candidato a nada, não disputarei nenhuma eleição para a nossa entidade, mas sinto-me obrigado a estimular o debate sobre o processo eleitoral da entidade, pois acredito que seja medida essencial para o resgate da imagem e da importância da OAB. O sistema eleitoral da OAB necessita de urgente modificação sob pena de levarmos a entidade a sua degradação total.

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A advocacia, apesar de numerosa, encontra-se fragilizada com suas prerrogativas profissionais constantemente vilipendiadas. O gigantismo e o autoritarismo do Judiciário têm sido observados pela OAB sem que ela esboce qualquer reação. O sistema está em tal nível de esgotamento que o presidente nacional acaba de ser reeleito, sem qualquer chapa de oposição. É a primeira reeleição de um presidente da OAB nos últimos tempos.

A reeleição já era anunciada antes mesmo do colégio eleitoral ser constituído: o abaixo-assinado referido anteriormente já circulava entre os presidentes das seccionais da OAB no ano de 2024, muito embora os supostos eleitores (81 conselheiros federais) ainda sequer houvessem sido escolhidos nos respectivos estados. O anacronismo é gritante, a entidade que representa mais de 1 milhão de advogados tem o seu presidente escolhido por algumas dezenas de eleitores.

Norberto Bobbio diz que as práticas não democráticas consistem em estabelecer o poder que parte do alto, em oposição ao poder que vem de baixo. As eleições da OAB são retrato perfeito da prática não democrática lecionada por Bobbio: o poder vem do alto, apenas da cúpula. Ou como diria Faoro, o mais emblemático de todos os Presidentes da nossa entidade, é a política sem povo.

Pouca reação se vê ao atual sistema, como a que demonstrou o advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira, que em seu crítico e contundente discurso ao assumir a presidência da OAB Paraná defendeu as eleições diretas para a presidência Nacional da OAB. Oxalá seja uma semente da mudança. Num país polarizado, em que cada grupo defende com unhas e dentes a sua posição (ainda que sabidamente possa ser equivocada), faz falta a palavra firme, equilibrada e apartidária de uma entidade da estirpe da OAB.

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Recuperar a importância política da OAB passa necessariamente por democratizar o seu processo eleitoral. A OAB lutou pelas eleições diretas no Brasil, mas, paradoxalmente, não pratica aquilo que prega. Ou seja, façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço. Não existe meia democracia, ou praticamos ela por inteiro ou apenas estamos disfarçando sistemas autoritários e antidemocráticos.

Alberto de Paula Machadoadvogado, foi presidente da OAB-PR e vice-presidente da OAB Nacional.

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