Setembro 28, 2024
Quando a notícia falsa verme uma apuração real – 15/06/2024 – Alexandra Moraes – Ombudsman

Quando a notícia falsa verme uma apuração real – 15/06/2024 – Alexandra Moraes – Ombudsman

No último dia 2, o New York Times colocou no ar uma reportagem sobre o impacto da chegada da internet de subida velocidade à vida dos marubos, na Terreno Indígena Vale do Javari. A conexão é feita pelo serviço de satélite da Starlink, empresa de Elon Musk que oferece chegada em áreas as mais remotas.

O título original do texto assinado por Jack Nicas, que comanda o escritório brasiliano do New York Times, era “The Internet’s Final Frontier: Remote Amazon Tribes” (a última fronteira da internet: tribos isoladas da amazônia), e Elon Musk abria o subtítulo: “Elon Musk’s Starlink has connected an isolated tribe to the outside world —and divided it from within” (a Starlink, de Elon Musk, conectou uma tribo isolada ao mundo exterior –e a dividiu por dentro).

Jornais brasileiros pagam para republicar o teor do New York Times. Dessa forma, a história foi parar na Folha, com o título “Starlink, de Elon Musk, leva internet a povoação isolada na amazônia e a divide por dentro”, e no Estado de S. Paulo, com “Musk leva internet e informação útil a indígenas da Amazônia, mas também pornografia e violência”. O nome do possuidor da Tesla e da Starlink, com seu potencial polarizador e viralizante, costuma ser bom isca.

Pouco mais de uma semana depois, o New York Times colocou no ar um segundo texto sobre o objecto, também republicado pela Folha. O título vinha incisivo: “Não, uma povoação remota da Amazônia não se viciou em pornografia”.

Era a resposta a manchetes escandalosas que anunciavam o contrário, citando porquê nascente o próprio New York Times, apesar de o texto não mencionar vício em pornografia.

A menção ao teor adulto surgia em dois pontos. Um era a ponderação do responsável sobre os “mesmos desafios que têm afetado os lares americanos há anos” e, entre eles, “menores vendo pornografia”.

O outro introduzia a opinião de Alfredo Marubo, líder da Organização das Comunidades do Marubo no Rio Ituí: “Ele está mais preocupado por culpa da pornografia. Alfredo disse que jovens estavam compartilhando vídeos explícitos em chats em grupo”.

Foi o suficiente para veículos sensacionalistas executarem uma receita de audiência fácil: pegar o texto de uma nascente muito reputada e citá-la (credibilidade) para focar num vista popular (“pornô”) e distorcê-lo (“vício”).

O enunciado que associava erroneamente os marubos ao vício se espalhou. Estava no tabloide New York Post, no site de fofocas americano TMZ, no Instagram em espanhol da estatal russa RT, entre outros. No Brasil, estampou sites e perfis que vivem de “chupinhar”.

Duas lideranças marubo ouvidas pelo New York Times na reportagem ficaram em lados opostos em relação à responsabilidade do jornal na emergência das notícias falsas.

Enoque Marubo, líder da Associação Kapy da Etnia Marubo Tamawavo do Rio Ituí, que recebera o NYT em sua comunidade, disse em vídeo que, “infelizmente, a reportagem destacou mais os pontos negativos, o que resultou na disseminação de uma visão distorcida”.

Já Alfredo Marubo, que expressara sua preocupação com o teor explícito, emitiu nota em que afirmava que a reportagem “nunca disse que estamos viciados em pornografia” e atacava “sites de ‘notícias’ e fofocas brasileiros”. Para ele, havia “evidente intuito de estuprar nossa imagem coletiva perante a sociedade”.

Também ouvido pelo New York Times, o jurisconsulto Eliesio Marubo diz que “quem leu a material (original) compreendeu o ponto do jornalista”.

Segundo a nota assinada por Enoque, porém, a ênfase em pontos negativos teria prejudicado “a honra de várias pessoas engajadas no processo de conectividade da Amazônia, porquê da jornalista e antropóloga Flora Dutra e da filantropa Allyson Reneau”. No dia da publicação da reportagem, Allyson e Enoque haviam registrado no Instagram o orgulho de o projeto ter ganhado destaque no New York Times.

Já Flora relata que, além de acusações de ter prejudicado os indígenas, chegou a receber ameaças de morte. “Ele [o repórter] destacou só os pontos negativos”, afirma. Para Flora, sem essa ênfase não haveria títulos sensacionalistas. “É muita irresponsabilidade”, diz. “Estamos falando de salvar vidas, de grávidas de oito meses e idosos que precisavam andejar dias para ter atendimento”, afirma Flora, sobre os benefícios da conexão.

No seu X, ex-Twitter, Musk atacou o jornal por “ter dito isso sobre a tribo”. O “isso” era outro post que ligava ao NYT a história do vício em pornô.

À ombudsman o New York Times manifestou “totalidade base à reportagem”. “Quem fizer uma leitura justa verá que [o texto] mostra uma apuração sensível e matizada dos benefícios e das complicações da adoção da novidade tecnologia em uma povoação indígena que preservou sua cultura e é orgulhosa de sua história”, declarou a diretora de informação externa do jornal, Nicole Taylor.

À espera de novas antenas intermediadas por Flora, o presidente da associação yanomami Urihi, Junior Yanomami, se disse preocupado com a repercussão. “A internet é nosso olho para vigiar as terras indígenas”, afirma. Sobre eventuais problemas com o uso da tecnologia, diz Junior, “isso faz segmento da vida”.


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