“Será que é capaz de tornar isso homérico?”
Não é fácil falar de forma simplória sobre um longa-metragem que continua o legado iniciado por George Miller em 1979 com Mad Max, produção que lançou sua curso profissional porquê diretor e entrou para a história elevando a expectativa por cenas de ação pós-apocalípticas. 45 anos depois, Furiosa: Uma Saga Mad Max mostra que o exigente cineasta ainda tem dentro de si a motivação necessária para ampliar, de forma harmónico e atrativa, a inóspita e destruída versão da Austrália que atua porquê cenário para as produções da saga.
Inicialmente, a produção seria feita simultaneamente com Mad Max: Estrada da Fúria (2015), mas o diretor optou por postergar o projeto para não ter que utilizar tecnologia de rejuvenescimento com Charlize Theron, atriz que lançou a Imperatriz Furiosa ao mundo.
E ainda muito.
Embora o mais novo longa-metragem siga o estilo violento de seus antecessores, ele não é essencialmente construído porquê uma longa cena de gato e rato e explora gradativamente o maduração de Furiosa, passando pela puerícia e juventude da personagem de uma maneira que se preocupa mais em explicar sequencialmente o contexto da guerra no deserto do que Estrada da Fúria — o que, para mim, foi um dos pontos mais positivos.
Mas não me levem a mal: Miller não deixa para trás sua primazia em conquistar cenas de ação que nos impedem de tirar o olho da tela, unicamente concede um espaço maior para que a trama guiada primeiro por Alyla Browne (jovem Furiosa) e posteriormente por Anya Taylor-Joy (Furiosa) se desenvolva porquê uma narrativa épica de vingança que muito se assemelha ao formato da velha Hollywood de relatar histórias. Uma das razões para que isso aconteça é a aproximação com a escolha contextual pela qual conhecemos Mad Max (Mel Gibson) na produção dos anos 70, na era recebida de forma controversa, ao invés do estilo de montagem utilizado no filme que serviu porquê base para a história de origem cá apresentada.
Pode não ser uma diferença que vá conquistar de primeira os corações que se apaixonaram pela voracidade frenética da produção de 2015, mas a atuação feroz de Taylor-Joy e Chris Hemsworth (Dementus) porquê lados opostos de uma mesma moeda apocalíptica e desesperada traz de volta um cinema crú não muito visto no mercado popular ultimamente.
É de se esperar que o envolvente criado por Miller para suas produções grandiosas exija interpretações extremas de todo o elenco envolvido no universo em uniforme fúria, mas é particularmente chocante quando personalidades porquê Hemsworth, sabido principalmente por simbolizar Thor em uma das franquias mais quadradas do cinema recente, surpreendentemente se destaca com um personagem que exige uma versatilidade dramática e visceral que o ator entrega de uma maneira que pareça intrínseca a si — mesmo que tenha revelado em entrevistas prévias à estreia do filme que entender o tom do impiedoso motociclista foi um processo demorado.
Charlee Fraser, tradutor da formidável Mary Jo Bassa, mãe de Furiosa, também contribui para maior aprofundamento emocional ao ser a principal força que move a protagonista a continuar correndo no infindável soalho de areia. O lado solidário e empático da Imperatriz é explorado com maior atenção e está presente ao longo de toda a trama, com Taylor-Joy expelindo com maestria a sensação de um dos amores mais naturais já sentidos pelo ser humano.
Ainda sobre a protagonista, ela brilha de forma fenomenal com uma presença inicialmente guiada pela expressividade de seus olhos e trabalhada de forma envolvente para lentamente explodir ao olhar do telespectador juntamente com Tom Burke, que interpreta Pretoriano Jack. É verosímil ver que a núcleo da personagem popularizada por Theron está presente, mas tanto a jovem Browne quanto a atriz que Miller escolheu em seguida ver Noite Passada em Soho (2021) acrescentam uma profundidade que, embora não exatamente necessária para compreender a versão de Theron, é intrigante a ponto de quase permitir que o longa-metragem possa viver de forma individual na franquia de filmes.
Mas o diretor, ainda que claramente saiba que não precisa provar mais zero quando o ponto é overdose de ação, não nos deixa olvidar de quem é a história que estamos presenciando. Todos os elementos que constroem a narrativa ao volta, incluindo os personagens secundários — sendo eles novatos ou não — que acompanham perfeitamente o tom proposto por cada lado da guerra, a ambientação épica que muito se aprimora com a escolha de tomadas sobre a imensidão desértica e a impactante trilha sonora criada por Tom Holkenborg (Estrada da Fúria) contribuem para recriar a experiência sensorial viciante e energética do predecessor.
O sintoma desesperador de um cenário australiano despedaçado é agravado — no tom mais positivo verosímil — por uma guerra de poder contextualizadora da estrada política e sanguinária, que acaba sendo o gavinha mais potente entre os habitantes remanescentes deste mundo perdido.
Furiosa: Uma Saga Mad Max é uma avalanche épica de paixão que reúne os melhores elementos de Estrada da Fúria e entrega maior profundidade à Imperatriz. Miller renova com sublimidade o cenário pós-apocalíptico que fundou sua curso enquanto explora mais nuances de conhecidas personalidades em uma história cíclica que complementa satisfatoriamente o predecessor.