Maio 7, 2025
Vamos deixar a tragédia no Sul virar notícia velha?

Vamos deixar a tragédia no Sul virar notícia velha?

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Depois da tempestade — e antes mesmo da calmaria —, costuma vir o esquecimento. As águas ainda não baixaram por completo, e o Rio Grande do Sul já não rende mais manchetes. Nesta sexta-feira, 7 de junho de 2024, não havia na primeira página da Folha ou do Estadão qualquer menção à tragédia dos gaúchos. No GLOBO, somente uma pequena chamada.

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Em menos de 40 dias, o sinistro ambiental que afetou 475 municípios, desalojou mais de meio milhão de pessoas, matou 172 e deixou 42 desaparecidas — além de devastar comunidades inteiras — já se recolheu às páginas internas dos três maiores jornais do país. Foi substituído pelo imposto das blusinhas e o foguetão do Musk, pela pena de Trump e o perdão à rachadinha do Janones, pelo prolongamento do PIB e a baixa da taxa de desemprego, pela PEC das Praias e o ‘algoritmo do ódio’, pelas eleições no México e na Índia, pelas derrotas de Lula e os ataques a Gaza. Vida que segue.

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Menos para quem perdeu tudo. Para estes, a vida parou — e será preciso mais que reconstruir pontes, erguer bairros provisórios, fornecer auxílio emergencial. Reencetar do zero, financeira e emocionalmente, não é hoje, para milhares de pessoas, somente força de frase. Quanto a nós — que acompanhamos tudo a sedento e a salvo, nos emocionando com os resgates e nos solidarizando por meio de ações concretas (ou bem-intencionados clichês nas redes sociais) —, nós vamos nos cansando de suportar com a dor alheia, num efeito paralelo (e originário) da superexposição.

Foi tudo gráfico demais, intenso demais — a chuva barrenta tomando as casas, as cidades submersas, os salvamentos transmitidos em tempo real. Mas, ao contrário das vítimas, podemos nos desconectar ao termo do dia, virar a página, mudar de meato — e as coisas à nossa volta continuam sendo o que sempre foram, não se tornaram lixo aglomerado nas ruas.

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Capa do audio - Bernardo Mello Franco - Conversa de Bastidor

Em psicologia, há o noção de “aluvião”. É quando somos expostos a uma quantidade tão esmagadora de estímulos que se torna difícil processar tudo. O resultado pode ser terapêutico (a tratamento de uma fobia, pela redução da resposta ao pavor) ou o embotamento da percepção (uma vez que mecanismo de resguardo). Estamos alagados, querendo voltar à programação normal, justamente quando emergem os maiores desafios, e a mobilização deveria ser redobrada.

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É preciso que a reconstrução seja rápida e planejada, com soluções definitivas e sustentáveis, para que a economia se recupere logo, e o súbito empobrecimento da população comece a ser revertido. É preciso atualizar as leis ambientais — as condicionantes agora são outras. E, mais que nunca, vistoriar o uso dos recursos públicos.

O governo federalista tem se hipotecado em desmontar todas as estruturas de combate à devassidão e ao aparelho do Estado. O cenário de devastação é perfeito para o expediente das “ações emergenciais” (pouco transparentes) e para decisões politiqueiras, uma vez que a importação de arroz — a ser vendido a preço subsidiado, com mal disfarçada propaganda na embalagem.

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Continuam as mortes (agora por leptospirose), mas o evento não é mais midiático. Já passaram os 15 minutos da primeira-dama exultante pelo resgate do cavalo Caramelo (aquele que foi potra por um dia) e do ex-primeiro-filho se exibindo em vídeo promocional, de jet-ski.

O Rio Grande do Sul pode ser uma notícia velha ou um ponto de viradela. A escolha é nossa.

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