Avançar para o conteúdo

Álbum de Manolo Escobar

Continue apos a publicidade

Minha querida amiga Araceli Fernández diz que a vida tem sido distorcida e um pouco alarmante. Avezado a ter sempre um final feliz rodeado de dificuldades inerentes, Araceli fica chateado ao pensar que isso zero mais é do que mais um artifício do casualidade contra o qual zero pode ser feito. As circunstâncias que nos definem, José Ortega y Gasset muito sabia, tendem a mostrar um caminho multíplice inserido entre ravinas austeras, barrancos secos e escoamentos não redimidos desenhados numa floresta que tem pouco ou nenhum interesse para aqueles de nós que caminhamos pelos seus claros-escuros.

Surpreendentemente, Araceli não parece tolerar qualquer impacto em seu otimismo triste e determinado. Sorriso pronto e língua nunca mentirosa, meu companheiro enfrenta o amanhã com a certeza de que o hoje, já chegado, é imóvel, sendo o último talvez o que nos dará uma oportunidade, por mais pequena que seja. Vamos lá, Araceli aguenta tudo o que jogam nela, desde que haja um mercê a ser colhido. Foi logo que ele conseguiu chegar até cá, sobrevivendo ao que quer que surja em seu caminho, sem perder um pingo daquela atitude que todos o invejamos.

Crescer na pequena cidade de Santa Cruz del Retamar, em Toledo, pode ter tido muito a ver com sua atitude. Nascente requerimento, tendo pretérito toda a sua puerícia entre os altos meandros do Eresma e a insustentável muro do Guadarrama, entende do que se trata. Ansiando por uma mísera oportunidade de sacudir a poeira da estrada, a serragem do seron enferrujado e aquele sabor que o cachimbo rançoso deixa na chuva jovem, fomos compreendendo o significado que cada passo oferecido contém; o som de um suspiro entre as folhas que o freixo vai soltando e a ritmo da chuva tamborilando num telhado desgastado e estragado. Sempre atentos ao que aconteceu, os filhos daquele ontem recriado milénio vezes e zero entendido depois de perdido, continuamos atentos a tudo o que nos rodeia.

Talvez aquele velho álbum de Manolo Escobar tenha alguma coisa a ver com isso.

Continue após a publicidade

Com efeito, em Santa Cruz de Retamar, dada a dissipação da sua população devido ao esforço agrícola, foi difícil reunir o campesinato na Câmara Municipal. Com o quórum dividido entre os centros de Santa Cruz, Calalberche e Cruz Verdejante, era difícil reclamar com a vizinhança, por isso tocavam nos alto-falantes da prefeitura um vinil desgastado do pobre Manolo Escobar, transmutado em uma espécie de pregoeiro muezzin obstinados em trazer para aquela prole gritando a famosa Viva a Espanha. Gritando as virtudes de um país imaginado, o gênio com o sorriso tremendo e imperecível incitou os churriegos a fugir, para que o parecer não lhes dissesse o quão pouco eles gostavam quando iam aos touros de minissaias, perguntavam-lhes sobre um coche perdido ou em enfim, concluirão em uníssono que porrompompero e peró. Evidente que, porquê me confirma meu querido companheiro, de tanta reunião ao som pátrio, o maldito vinil acabou arruinando sua face pátrio, porquê diria qualquer horror nostálgico nefasto e surrado, para dar lugar ao lado preto onde o preto cachos daquela mulher pintados pelo esquecido Julio Romero de Torres.

Continue após a publicidade

O trajo é que, na manhã da última véspera de Natal, ao chegar ao moca que Eusebio Martín Merino nos ofereceu no bar Las Palomas de Valsaín, fiquei impressionado com a recordação de Araceli ao ouvir o estrondo das canções natalinas cantadas por o agora perdido Manolo, Escobar. E, entre um baterista rumbero e um pastor fandanguero, apareceu um grupo de moradores do Real Sítio Primitivo liderado por Rufino, irmão de Eusébio, exaltados pelo insensível que vem da ociosidade precoce e pelo calor do anis misturado com capão entre moca e conhaque. Ouça o “ratantán” e o “arriquitán” do maestro de Almeria em louvor a quem-sabe-quem e inicie Rufino com sua tropa entre bulerías de gemidos de serra e qualquer soleá perdido além dos pinheiros mortos à sombra do Tío Poncias currais. Silenciados por aquele rebuliço improvisado e festivo, tivemos que deixar a conversa para contemplar, atordoados e absorvidos por aquele recital de falsos gritos de Natal.

Pode ter sido naquele momento de simples celebração do zero inteligível que percebi quão incrível era o que era tão generalidade naquele pretérito perdido e quão vasqueiro é agora todo aquele jargão, tão popular quanto instintivo. Habituado a um presente onde tudo parece medido ou já visto; onde o amanhã é uma repetição metódica do ontem e quase zero nos surpreende, já que a surpresa tem sido posta em razão porquê esquiva e irritante, tão arrogante e desafiante; Por tudo isto e muito mais sobre o que calo, a tristeza da vida e a monotonia monótona levaram-nos a rejeitar tudo o que tende a ser sem ser. Que Manolo Escobar convoque você no plenário municipal ou no início das festividades; que todos os funcionários tenham que gritar a conversa no bar entre os gritos da franja antiga e flamenca das Norias de Daza para dar lugar a um infame concerto de jovens iluminado na manhã de um dia em família; que a felicidade da improvisação e a bela naturalidade que está por trás daquilo que pensamos fazer e nunca fazemos deveriam, acredito, permanecer guardadas naqueles espaços vazios que a repetição do contraditório que nos atormenta deixa na nossa triste sobrevivência.

Talvez aquele velho disco riscado de Manolo Escobar, tocado repetidamente na puerícia do meu companheiro, seja o que inspire aquele otimismo doentio que atrai um sorriso lindo e ordenado em seus olhos. Talvez os rugidos de Rufino e suas trupes numa manhã de inverno de qualquer dezembro possam ter despertado neste humilde Historiador uma certa saudade de um pretérito já perdido e zero lembrado. Talvez, queridos leitores, uma recordação ou outra lhes sirva para que o cotidiano se separe da vida triste e teimosa para ser ocupado por uma manhã extravagante de diversão sem sentido, alheios a tudo o que é imposto pela mansidão que sempre persegue nossas loucas. … esperanças.

Continue após a publicidade

Fonte

Continue após a publicidade

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *