Em seu romance estranho, monumental e autorreflexivo ‘mundo das formigas‘, Charlie Kaufman Imagine a genealogia perfeita do crítico de cinema. Ele o labareda de B. Rosenberg e o descreve uma vez que um faceta essencialmente peculiar, com uma relação conflituosa com quase tudo, exceto por uma coisa: o fracasso. Ele é um acadêmico, mas um fracasso. Ele é um cineasta, mas fracassado. Ele é um amante, mas desastroso (e, portanto, um fracasso). Ele vende sapatos, mas, convenhamos, ele não se sai muito muito. E assim. Mas, apesar de tudo, é a partir daí, da clara e perfeita consciência do seu fracasso, que se mostra perfeitamente capaz de investigar um pouco tão essencialmente estranho uma vez que um filme. Porque o que é um filme? O revérbero mais leal da verdade ou justamente o contrário: a melhor desculpa para, justamente, fugir dela? Talvez um sonho partilhado e, portanto, o oposto precisamente de um sonho, que, por definição, é a coisa mais pessoal e íntima que se pode imaginar… ou sonhar? Digamos que, à sua maneira e se ignorarmos as conotações morais (por mais negativas que sejam) que o nosso protótipo de produção deu ao termo fracasso, poderíamos expor que o cinema uma vez que protótipo de representação também poderia ser considerado um fracasso. E não me refiro ao que lhe poderá sobrevir na sua enésima crise existencial, mas à sua núcleo. É, se você quiser, um fracasso perfeito. Tudo começa a somar.
Conformidade e no celular encontro diversas mensagens de amigos e várias do jornal. Uma lesão logo me levou para a leito. Os primeiros são pessoas carinhosas, nostálgicas e muito idosas. Os segundos são difíceis. Os primeiros me levam de volta aos anos oitenta e início dos anos noventa. Ou seja, ao pretérito em sentido estrito. De madrugada, sempre muito tarde. Os segundos me perguntam com um gesto impaciente onde estou. Logo depois que um visível Garça atacou um visível Pablo (pablito, pablete) na rádio (não televisionada) Antena 3, ele começou. ‘Poeira estelar’ Não era propriamente um programa de rádio, era uma Eucaristia pagã à qual as pessoas assistiam por pura paixão, mas para suportar. Lá, Carlos Pumares Ele era o rei e exibiu o seu reinado com um gesto tirânico, mas de uma forma sábia, justa e, pode-se expor, irremediável. Ele era o crítico de cinema, o único que conhecíamos pessoalmente (uma vez que alguém da família), o único com quem dormimos (uma vez que era), aquele que reverenciamos, aquele que odiamos, aquele com quem discutimos e, supra de tudo, todos, , que ouvimos. Com devoção Rimos com ele, com ele aprendemos o que ele poderia encontrar em uma “lar do leão” (de onde ele tirou sua música), com ele assistimos ao cinema na negrume totalidade. Que, na verdade, teve muito rito preto, de lacuna noturna compartilhada. O que estávamos fazendo que não estávamos em outro lugar ou unicamente dormindo para sermos pessoas úteis? Fracasso, sim, mas, e por vários motivos, partilhado e feliz.
Ontem, aos 80 anos, Carlos Pumares morreu. A morte. Outro fracasso.
Porquê explicar para quem nunca ouviu do que se tratava ‘Poeira estelar’? Descrevê-lo em sua núcleo pode ser simples. Carlos, o crítico, foi apresentado aos acordes de ‘poeira estelar‘ em uma bela versão de Bing Crosby e as filmagens começaram. Os ouvintes ligaram (nós ligamos) com as mais estranhas dúvidas sobre cinema e ele, na sua sabedoria enciclopédica, as resolveu. Ou não. Mas quase sempre, sim, admitamos. Levante era um programa pré-digital onde não havia um triste Google para resolver zero, nenhuma rede social para negar zero, nem mesmo um troll (embora alguns já estivessem mostrando as patas) para fazer papel de palhaço, por mais difícil que fosse seja imaginar. Zero. Era ele de um lado e o mundo inteiro do outro. E Carlos Pumares recitou os dez melhores ‘ocidentais‘o John Ford, os dez melhores desabafos de Katherine Hepburb ou ampliados no último álbum (sim, álbum) de uma margem sonora conseguida (não unicamente comprada) de forma sempre prodigiosa numa loja perdida num país remoto (quase sempre Londres). Isso ou ele ficou indócil com a Telefónica, que também.
- Carlos (todos o chamavam pelo primeiro nome), você pode me expor o que significa o monólito em ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’?
- (Pausa) (Bufa) (Raiva iminente) O monólito é… DEUS!
Na verdade, ele deixou evidente para nós que o monólito era Deus. E Pumares também. Amém.
Dissemos que, em núcleo, poderia parecer que o programa em questão continha pouco mistério. Entretanto, ‘Poeira estelar’ Era essencialmente um mistério. Seus especiais, muitos deles recorrentes, eram fruto de puro libido, não diremos mágico porque a termo irrita. Mas houve um pouco disso. Eu gostava de ouvir o próprio dele ‘Duelo ao sol’, por exemplo, mas o que mais gostei foi ouvi-lo novamente. Eles eram sempre iguais, mas completamente diferentes. Isso não teve zero a ver com a perspicuidade da edição ou com a espontaneidade imposta do ‘podcasts‘. Carlos Pumares não era um crítico de cinema tentando ser engraçado, espirituoso ou extremamente sarcástico. Carlos Pumares não insultou, nem imitou vozes, nem mostrou sua lar. O próprio Carlos Pumares era a nossa lar. E fez da sua transmissão o refúgio perfeito contra, justamente, todos os fracassos.
Antes, oriente varão nascido em Portugalete, fazia mais coisas. Muitos deles notáveis. Na dezena de setenta assinou os roteiros dos filmes ‘A lar das chivas’ (Exclusivamente Klimovsky, 1972), ‘Separação de consórcio’ (Fundo Angelino, 1973, ), ‘Uma mulher proibida’ (Jos Luis Ruiz Marcos, 1974), ‘O estranho paixão dos vampiros’ (Len Klimovsky, 1977) e o da série de televisão ‘O hotel milénio e uma estrelas’ (1978-79, TVE). E durante todo o tempo em que esteve muito de saúde (o programa e ele, os dois) trabalhou uma vez que consultor para ‘A chave’, que foi apresentado e dirigido pelo jornalista José Luis Balbán. Portanto, já convertido em mito de si mesmo, o vimos onde, talvez, nunca quiséssemos vê-lo: que se ‘Crnicas marcianas’, Sim, uma vez que ator, em não sei que filme cruel.
B. Rosenberg, crítico de Kaufman, encontra, quase por possibilidade, o que considera o melhor filme já feito, uma obra-prima em stop-motion de três meses que seu responsável levou 90 anos para concluir sozinho. A sua missão a partir desse momento será mostrar ao mundo a sua invenção. Mas, uma vez que acontece frequentemente, um incêndio deixa unicamente um único quadro não consumido. A sua vida a partir de portanto consistirá em relembrar um filme que, aliás, poderá ser a última grande esperança da cultura. É evidente que isso, uma vez que não poderia deixar de ser, termina em fracasso. Não sei muito por que Pumares me fez pensar no personagem de Kaufman, por que o feito impossível de B. Rosenberg me faz pensar em ‘Poeira estelar’. Ou sim. A morte. Outro fracasso.