O potencial identificador que toda voz humana contém é inegável, principalmente em certas profissões e figuras públicas que têm uma voz muito conhecida ou particularidade: políticos, atores conhecidos, dubladores e artistas que fazem da voz o seu sustento, porquê é o caso dos cantores de ópera.
Em 1982, o Tribunal de Grande Instância de Paris emitiu uma decisão em que o protagonista era, justamente, a voz da famosa cantora Maria Callas. Nele, a voz era considerada uma espécie de “imagem sonora”, um atributo da personalidade, sendo proibida sua captação e reprodução sem o consentimento de seu possuidor, ou seja, o cantor.
O que aconteceu
Em 1976, quando há dois anos não dava concertos nem aulas na Juilliard School de Novidade Iorque, María Callas decidiu realizar, à porta fechada, testes de voz no Theatre des Champs-Elysées, para verificar se ainda mantinha suas extraordinárias qualidades vocais.
As passagens executadas foram “La Habanera” de Carmem de Bizet e a ária “Ah, Perfido” de Operação de concerto. 65 para soprano e orquestra de Beethoven. O espaço onde foi feita a gravação foi ofertado por Charles Vannes, secretário-geral do Teatro. Os ensaios não a satisfizeram e Maria Callas desistiu definitivamente de continuar a sua curso nos palcos. A cantora não fez mais gravações, falecendo em 16 de setembro de 1977.
Três anos depois, em 31 de dezembro de 1980, uma estação de rádio francesa reproduziu essas passagens. A mãe e a mana de Maria Callas, porquê herdeiras, processaram tanto a emissora porquê o secretário-geral do teatro, por considerarem que a referida gravação e ulterior divulgação constituíam uma interferência ilegítima na vida artística da cantora e um grave atentado à sua memória. Solicitaram, portanto, uma indemnização de 300.000 francos, a entrega das gravações e a ulterior publicação da sentença.
A rádio demandada defendeu-se dizendo que os herdeiros só tinham a tutela da memória do falecido quando houve tentativa de prejudicar a honra ou a reputação dos referidos herdeiros. E que, neste caso, a memória de Maria Callas não tinha sido prejudicada, já que o programa de rádio era justamente um loa à sua curso, sem qualquer tipo de exploração mercantil.
Charles Vannes, por sua vez, afirmou que a artista havia autorizado a gravação, e que se tratava de uma memória preciosa que negava que a cantora tivesse perdido a voz. Aliás, considerou que os herdeiros não eram legítimos, uma vez que houve autorização do artista para realizar a referida gravação, pelo que nenhum dano foi causado. Vannes, por sua vez, pediu indenização pelos danos causados pela ação.
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A decisão
Por término, o tribunal de Paris decidiu em prol dos herdeiros da diva da ópera, ordenando que as gravações lhes fossem devolvidas por serem guardiões do testamento da falecida e terem interesse legítimo em agir em resguardo da sua memória.
Estabeleceu que a interferência na vida privada do cantor gerou dano moral e proibiu a rádio de transmitir as peças. Porém, a indenização que lhes foi concedida foi meramente simbólica, de um franco, uma vez que ficou demonstrado que a gravação foi veiculada num contexto de loa à curso do cantor, com finalidade cultural e sem finalidade de suscitar danos.
Mesmo com uma sentença “simbólica”, o tribunal decidiu em prol da mãe e da mana de Callas. Por um lado, os seus direitos de propriedade intelectual porquê artista performático foram violados. Por outro lado, a rede incorreu em responsabilidade social por ataque à personalidade de Maria Callas, devido à gravação e divulgação não consentida da sua voz.
A voz é única e própria
Assim, o primeiro vista da decisão estabelece que a divulgação radiofónica de uma gravação não autorizada constitui um acto ilícito no domínio dos direitos de propriedade intelectual, cabendo aos herdeiros o recta de proibir toda a divulgação e a restituição das gravações.
A artista é quem decide a forma de explorar seu talento, ainda mais se for uma cantora de ópera que, duvidando da qualidade de sua voz, expressa seu libido de trovar secretamente para resolver se deve ou não se reformar dos palcos. Portanto, qualquer outro uso da gravação será repreensível.
Aliás, o tribunal de Paris destaca que a voz é um atributo da personalidade, uma espécie de imagem sonora cuja divulgação, sem autorização expressa do seu titular, é ilícito.
Nascente último argumento foi de vital valia na idade, pois impulsionou o desenvolvimento gradual, tanto doutrinário porquê jurisprudencial, do recta à própria voz. E ainda é importante hoje.
A proteção da própria voz porquê recta da personalidade
Embora nos países europeus esta protecção permaneça bastante tímida, em vários estados dos EUA (por exemplo, Califórnia) a voz é protegida porquê um elemento identificativo das pessoas, quer pela lei, quer pela jurisprudência, e geralmente sob a figura de recta de publicidade, que protege o valor mercantil dos traços de identidade das pessoas. Assim, qualquer voz, seja ela de um artista ou não, estaria protegida contra seu uso não consensual.
Em Espanha, e embora eu seja um protector da autonomia do recta à própria voz porquê outro recta da personalidade (porquê a imagem, o nome, a privacidade ou a honra), os tribunais ainda relutam em reconhecer tal autonomia.
Porém, existem normas que protegeram a voz porquê traço de nossa personalidade. Às vezes isso tem sido feito protegendo-o no recta à própria imagem, da qual a voz faria segmento, às vezes simplesmente na menção à voz que a arte faz. 7.6 da Lei Orgânica 1/1982, que considera interferência ilegítima “a utilização do nome, voz ou imagem de uma pessoa para fins publicitários, comerciais ou similares”.
Atualmente, e ainda mais com o surgimento da lucidez sintético e as possibilidades que existem para “clonar” as vozes das pessoas, seria desejável que os sistemas jurídicos que ainda não o fizeram em toda a sua extensão prestassem a devida atenção a esta particularidade do personalidade, a nossa voz, que nos identifica de forma única. Desta forma, e respondendo à questão colocada no início, a resposta é clara: a voz de Maria Callas é dela.