Nasci mulher, num corpo e genitália feminina. E quando atingi a maturidade, percebi que a orientação sexual correspondia àquilo que era expetável por grande segmento da sociedade. Para muitos e muitas, uma mulher ‘normal’, portanto. A minha exigência de mulher privilegiada, fez-me refletir sobre outra mulher com um trajectória dissemelhante do meu, mas sempre uma mulher: Marina Machete, a vencedora do concurso de Miss Portugal. Não conheço a sua vida, as suas motivações, os seus medos, os seus sonhos, e perante o que leio, unicamente me resta o saudação por um trajeto que esse sim, aposto, foi e continua a ser de luta.
Não faltou ironia e comédia por estes dias relativamente ao facto de Marina ter vencido o concurso Miss Portugal. Revolta-me o que li e ouvi, no sentido de perceber a intolerância e a falta de empatia, que ainda grassa por aí. Tenho observado várias leituras sobre oriente tema, mas sei que a única que deve ser feita, é a leitura mais humana, mais empática.
Na legado dos cromossomas sexuais, podemos ter o cromossoma X, feminino, e o Y, masculino, cuja combinação determina basicamente o sexo da pessoa: mulheres são XX e os homens, XY. Mas não é preciso uma investigação científica profunda para se perceber que a vinda a oriente mundo não é um operação — 2+2=4. Uma breve pesquisa na Internet sobre o tema, apresenta as mais diversas ramificações — Síndrome De la Chapelle, quando uma pessoa XX desenvolve naturalmente genitais masculinos porquê um pénis, testículos e escroto; ou o Síndrome da fêmea XY, ao contrário do anterior é uma pessoa que desenvolve genitais, uma vagina, útero e trompas de Falópio; entre tantas outras equações possíveis.
Já em 1979, a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres (CEDAW), tratado internacional reconhecido em 1979, pela Câmara Universal das Nações Unidas, exigia uma investigação mais profunda sobre o significado de “mulher” porquê género, tendo em conta que se o significado geral for “mulher” porquê construção biológica, portanto unicamente as mulheres que produzem óvulos seriam abrangidas pelo tratado. Ficariam as mulheres inférteis de fora do tratado? Recordo que no ano pretérito, veio a público o caso de uma padrão, Kesia Promanação, que nasceu sem útero e sem via vaginal.
É, portanto, oferecido adquirido, que à semelhança do que escreveu Simone de Beauvoir, “não nascemos mulheres, tornamo-nos mulheres”. Existe uma fronteira entre o sexo que nos é atribuído à nascença e o género, construção social, com que nos identificamos. E neste sentido, importa clarificar que transgénero é uma identidade ou comportamento de género que não reflete as construções de género comuns da cultura e do tempo. Transgénero descreve “todo e qualquer tipo de variação das normas e expectativas de género”, envolvendo a diferença entre uma construção dominante ou geral do género e uma marginalizada ou pouco frequente (Meyer, 2016). E vários estudos confirmam que as pessoas transgénero estão sujeitas ao mesmo tipo de violência de que as mulheres são mira, porquê os crimes contra à honra ou o transgressão de violação.
No vasto domínio da intolerância, gostava ainda de recordar o caso de Caster Semenya, uma desportista meio-fundista sul-africana, campeã olímpica e mundial dos 800 metros, que nasceu com características intersexuais, produzindo o seu corpo níveis atípicos de testosterona. A sua figura física levou ao questionamento se seria varão ou mulher, depois ter vencido os 800 metros nos Mundiais, tendo sido mesmo proibida de competir nos jogos Tóquio 2020, pela Federação Internacional de Atletismo (World Atletics), impelindo-a a reduzir o nível de testosterona com recurso a medicação, processo vexatório que recusou. Já neste verão, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos decidiu, que a bicampeã olímpica dos 800 metros foi vítima de discriminação, devido à emprego das regras sobre a produção de testosterona.
O mediatismo em torno das competições, sejam elas desportivas ou de venustidade, podem efetivamente alertar para questões relacionadas com os direitos humanos. Zozibini Tunzi, da África do Sul, venceu em 2019, o concurso Miss Universo, tendo afirmado na profundeza: “Eu cresci num mundo onde uma mulher porquê eu, com o meu tipo de pele e cabelo, nunca foi considerada formosa.” Espero que Marina, a nossa representante, vença o concurso Miss Universo em El Salvador, por ser precisamente aquilo que ela é: uma mulher muito formosa, competindo por alguma coisa que me parece ir muito além da venustidade. Faz-me sentido.
A autora escreve segundo o Concordância Ortográfico de 1990