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Inaugurou esta sexta-feira a exposição “Evidence”, colaboração de Patti Smith com os Soundwalk Colective no MAC/CCB, onde permanecerá até setembro. Uma viagem poética entre o universo de Rimbaud, Artaud e Daumal.
Um e-mail chega à caixa da produção do MAC/CCB. Pergunta-se se é provável consertar uma mesa de um poeta português. A escolha mais lógica é Fernando Pessoa, poeta para toda a obra e de todas as línguas, mas, sendo o tema mais oferecido ao surrealismo, a uma façanha sensorial rumo ao infinito, o lado português tem outra sugestão: o poeta e jornalista Mário Cesariny . A dica não vem sem uma certa ração de alarmismo. A tarefa parece quase impossível ter em conta o aproximar-se dos dados de um evento muito próprio. Mas o que é mesmo necessário é um objeto que seja porta de ingressão para a exposição “Evidence”, parceria entre Patti Smith e os Soundwalk Colective (Stephan Crasneanscki e Simone Merli), um trabalho imersivo, sonoro, visual, desenhado e, sobretudo, infinito, à volta da obra e viagens de três grandes poetas franceses: Antonin Artaud, Arthur Rimbaud e René Daumal. Pode parecer um manobra muito intelectual para as mentes menos habituadas a experiências tão absorventes porquê esta, mas cá fala-se sobretudo de uma expedição em procura do paixão pelo outro. E todas as peças contam.

O duo criativo, encabeçado pelo ícone punk-rock norte-americano e por Stephan Crasneanscki, começou o escorço leste trabalho a partir da geração de “Perfect Vision”, tríptico de álbuns inspirado na obra dos três poetas, todos gravados entre a serra Tarahumara, no México, na Etiópia e nos Himalaias, na Índia. “Evidence” esteve quatro meses no Centre Georges Pompidou, em Paris, e vai permanecer seis meses em Lisboa no MAC/CCB, com a curaria de Chloé Siganos e Jean-Max Colard, a estrear a partir desta sexta-feira. Todos os materiais usados na exposição foram meticulosamente embalados com uma daquelas folhas usadas em provas de violação (“evidence”, em inglês), num jogo provocatório dos autores. E foram muitos: bolsas de documentos, sânscritos, bonecas, esboços, filmes, colagens, fotografias, seis milénio faixas de blocos de som. Mas faltava um. Pouco antes do dia da inauguração, o CCB finalmente recebe uma notícia: Cesariny já cá não está, mas existe uma secretária “de viagem” perfeita para a ocasião.
Patti Smith, música mas sobretudo, e sublinhe-se o sobretudo porque tem sido logo que tem querido ser vista, poeta e escritora (“Somente Miúdos”, sobre a sua guloseima relação com o fotógrafo Robert Mapplethorpe, tornou-se um sucesso além fronteiras ), não poderia estar mais contente com a escolha. Ela, que se enamorou pela verso logo aos 16 anos, através de Rimbaud, que lhe mostrou o horizonte da verso nos idos do século XIX, é o cérebro por detrás de “Evidence”. Já passei algumas vezes por Portugal. Ninguém esquece o concerto homérico oferecido no Festival Paredes de Coura em 2019. O seu poder mobilizador sentido no festival contrasta com a persona tranquila que habitou o museu lisboeta. O pai adorava “Lisboa Antiga” de Amália Rodrigues e a escritora de 77 anos prometeu-lhe que viria a Lisboa ingerir da inspiração de Pessoa no Chiado. Cá está, unicamente por uns dias, e, antes de subir ao palco do Grande Auditório do CCB neste sábado, tem uma tarefa: não parar de fabricar.

É porquê se estivesse num permanente estado de reflexão mas, em vez de paragem, tem de mexer os músculos e, sobretudo, a cabeça cristalizada por duas tranças. Esta sexta-feira, antes e depois da apresentação à prensa de “Evidence”, Patti Smith deambolou pelas três ilhas da exposição. Uma esponja de conhecimento. Primeiro, sentou-se na secretária de Cesariny, pela qual se apaixonou, para grafar em cima de um escorço de montanhas, pedaços de terreno que representam uma viagem interno impregnada em “O Monte Análogo” de Daumal e comunicados pelo artista. Depois, escrevi umas palavras a vermelho – “Warning” (aviso) – freiras sacos de areia deixados ali por um vestido para que se ligasse à boca de incêndio colocada ali ao lado. Não estava previsto. Patti pediu que ninguém limpasse a terreno que deixou no pavimento junto com outros materiais que Stephan Crasneanscki trouxe das viagens. Na quinta-feira passada, já tinha desenhado uma risca a cruz de três fotografias de Artaud, sentado a fumar, dando toda outra perspectiva concretas imagens inseridas num grande mural, o verdadeiro planta de “Evidence”.
A exposição, apesar dos dados marcados para o seu início, nunca está acabada. Se um acidente ocorrer, fica porquê prova do quebra-cabeça que cada testemunha construirá. É também pedido que se ouça ao longo de “Evidence”, através de auscultadores, uma orquestra sonora de reflexões, versos poéticos e filhos inscritos em mais de 500 fragmentos de áudio. “Nós procuramos o espaço infinito”, disse-nos Patti Smith. Agora, o público que avança em sua expedição pessoal, tarefa para uma sociedade metida em bolhas, preocupada com sua individualidade e não tanto com o que difícil se passa à sua volta. Se não for a arte a desafiar-nos, quem será?
As viagens de Stephan, que levam o mundo poético até Patti Smith
Stephan Crasneanscki é um varão cimeira mas do qual não se nota o ego. Tem créditos mais do que firmados. Já trabalhou com nomes porquê Jean Luc Godard e, em 2022, ganhou um prémio no Festival de Veneza pelo seu trabalho sonoro em “Toda a Venustidade e Fuzilamento”, de Laura Poitras. Foi preciso subir o microfone no MAC/CCB para que o gaulês conseguisse falar. Está sempre circunspecto ao que um performer e artista plástico lhe pede, há ali uma relação quase umbilical de quem se conhece de tantas outras vidas, mas não. Conheceram-se durante uma viagem de avião, de Paris para Novidade Iorque. Um possibilidade feliz. Cranseancki leu um livro de verso de Nico, nome artístico da alemã Christa Päffgen. De estranhos passaram a familiares íntimos. Nasceu um primeiro disco, “Killer Road” (2016) e logo veio o tríptico gravado aos poetas franceses.
Em “Evidence”, se Patti Smith é o cérebro que encarna a obra e a vida de quem é influenciado, o gaulês é corpo que viaja sozinho até os lugares ancestrais em procura das atmosferas sonoras experienciadas por Rimbaud, Daumal e Artaud. Stephan traz o mundo poético até Patti Smith. A performer escuta, toca e improvisa os textos. Segue-se o estúdio. Antes, a Índia, a Etiópia, o México, qual o próximo rumo? Ninguém sabe. “Não estou interessado na natureza, procurando o acidente no som. Pode ser um cão a ladrar, um carruagem, passos. Cria-se um momento, um ato de presença”, conta-nos. O artista nunca sabe quando o trabalho acaba e recentemente considera que sua investigação é suficiente. Não marca alojamento, recorre-se, por vezes, de guias e repete as viagens mais do que uma vez. “Acumulo experiências de som. O mais importante é ser invisível. Vanescer para o som vir”, diz.

Apesar de serem os dois protagonistas deste projeto, não se pode ignorar que, num espaço infinito de geração é preciso organizar o caos. Dos departamentos de pensamento e das artes performativas do Pompidoud ao vestido que involuntariamente potencializou uma novidade geração na exposição. É preciso também olhar para o sistema de som tridimensional, Usomo, criado e depois usado “Evidence” pelos alemães da Framed imersive projects, que segue geograficamente cada testemunha munido de auscultadores, dando-lhe uma novidade sonora sonora para visitar as três ilhas. Steffen Armbruster é o representante e um dos fundadores da Framed. “Quando você se move, o som criado por Stephan vai se transformar de um lado para o outro neste espaço. Toda a mistura é feita por nós, somos porquê os produtores sonoros”. A uma intervalo de unicamente dez centímetros, a tecnologia sabe exatamente onde cada um de nós está. O campo metafísico encontra-se com a evolução procedente do ser humano. Há, por exemplo, filhos ativados quando nos sentamos a observar um jardim de peiotes, pequenos cactos sem espinhos do México que produzem um psicoativo chamado mescalina, que Artaud experimentou em 1947. “O som aumenta, tudo se torna mais sombrio. Se mudas de uma parede para a outra, tudo muda. Várias exposições dentro da mesma”. Espaço, som, imagem. Tantas evidências.
Quando os jornalistas foram embora, Patti Smith voltaria para a secretária de Cesariny. A filha, Jesse Smith, que acompanhou até Portugal, toma o seu próprio ritmo em “Evidence”. Stephan, entre falar com conhecimento e prometer que alguém guarde os vinhos do Soundwalk Collective, tente ressalvar os anseios criativos do poeta. A certa fundura, sentam-se os dois, virados para o grande mural. Não é provável perceber o que dizem. Aceitamos a proposta inicial de toda a expedição: usar a imaginação. Pensar nos poetas. Nas viagens. Na guerra. Nas mudanças climáticas. Em zero. Nos temas dos autores e nos nossos. Não que procuramos enquanto estamos por cá, pergunta derradeira de Daumal no término da vida. Já terá que pensar no próximo projeto? “Gostamos dos dois muito de trabalhar. Gostamos de ver até onde podemos ir”. Deixemo-los estar que estão muito. Somente miúdos num espaço infinito.
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