Março 22, 2025
De Camões até ao Portugal de hoje

De Camões até ao Portugal de hoje

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O mais importante não é a passagem do Bojador, é a trama que levou a isso e as consequências disso. Flectir o Cabo, em si – apesar de, na profundeza, terrível -, não será o que de facto nos mergulha no que importa.

A dimensão, dramática, da influência da passagem do Cabo Bojador é-nos dada pelas estórias dessa premência, pela solução dos escolhos que se lhe levantaram e pelas consequências do acto. No entanto, o mito do dispendioso existe, e alastrou, impondo a nascente nosso olhar cinematográfico português a jejum sobre o nos fez uma vez que somos.

Desde a primeira sessão de cinema em 28 de dezembro de 1895, no Grand Moca em Paris, Portugal produziu, desde logo e até hoje, perto de milénio e quinhentas Longas-Metragens assinadas por portugueses, segundo contas da Cinemateca Portuguesa.

No entanto, sobre o lastro do nosso secular muito e mal fazer, produzimos menos de duas dezenas, assinadas por muito poucos – Leitão de Barros (1896-1967), Manoel de Oliveira (1908-2015), António-Pedro Vasconcelos (1939-2004), João Mário Grilo, eu próprio e António Ferreira – que me perdoem os eventualmente omitidos.

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Esta disparidade portuguesa, assustadora quando comparada com a produção de outras cinematografias sobre coisas da sua História, nomeadamente as de Espanha, França e Reino-Unificado, por exemplo, não decorre do desinteresse dos cineastas lusos sobre a nossa identidade vernáculo, antes é consequência do desinteresse – e por vezes repúdio – de quem e o que decide os financiamentos à produção – jurados, normativo, lei, estruturas administrativas insuficientes (sim, mais cá do que noutros sectores). Os resultados apelam à reforma do que existe, para terebrar espaço ao potencial do muito talento inibido, que nos desespera perante o imenso oceano do que não foi, mas tem de ser feito sobre as mazelas e triunfos da nossa História de 845 anos sobre a Manifestis Probatum.

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Por cá só há duas plataformas que viabilizam a produção destas coisas: o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) e a RTP.

Frente aos resultados obtidos pelas duas estruturas nos últimos anos, será uma evidência o imperativo de prevenir a potenciação – não a interrupção – do caminho percorrido até cá. No caso do ICA, prosseguir e substanciar a descentralização da Exibição de forma a alargar definitivamente o contacto do Cinema com a população, racionalizar os procedimentos administrativos e moralizar os analíticos para a selecção de projectos a financiar.

No caso da RTP, há que estabilizar políticas públicas, solidificar o trabalho dos decisores que provaram saber inovar e alargar a mediação da Estação Pública na relação dos públicos com a comunidade criativa, artística e técnica – mesmo quando amiúde financeiramente condicionados; para que se evite a disrupção e o principiar de novo. Que se previna o desperdício do esforço feito, nomeadamente para a preservação e ampliação do trabalho concretizado nos últimos anos, também na superfície do Cinema e do Audiovisual.

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Para, também nós, cineastas, podermos almejar a remoção da venda imposta ao olhar cinematográfico português sobre o caminho que nos trouxe até hoje, demonstrando que, sem complexos, chegaremos lucidamente “à desejada e (mesmo que) lenta meta/ A luz celestino as gentes encobrindo” (in Quina II, de Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões).

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