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À mesma hora em que os Pearl Jam cantavam em Algés “Jeremy” e “Why Go”, músicas sobre raiva e atiradores, Donald Trump era alvejado na Pensilvânia. Não sabíamos ainda de zero quando Eddie Vedder pediu em palco umas eleições que curassem, que sarassem, que cicatrizassem. Mas, àquela hora, já era tarde de mais
Temos umas eleições à porta e espero que sejam eleições de trato e que nos consigamos livrar do cancro e curar-nos. E libido o mesmo a todos os países que estão a passar por problemas neste momento. Espero que consigamos encontrar bons líderes e que nos curemos. São as pessoas que vão encontrar os líderes, não são eles que se vão desvendar a si próprios.” Eddie Vedder, murado de 1h da manhã de domingo, no Nos Alive em Algés, imediatamente antes de trovar “Imagine” de John Lennon. Trump tinha sido alvejado murado de uma hora antes, mas poucos dos ali presentes saberiam disso. Incluindo Eddie, que lamentava a “pain” enquanto Trump gritava “fight!”. Dor e luta, dor e luta.
Os concertos de música conseguem ser porquê cápsulas, naves supersónicas em que viajamos não no espaço nem no tempo, mas para uma possibilidade de venustidade. Os grandes concertos são uma evasão do exterior e uma invasão de interno, isolamo-nos do mundo enquanto partilhamos uma comunidade espontânea e efémera. Assim foi leste sábado-para-domingo em Algés, no Nos Alive: os telemóveis estavam todos nas mãos a filmar e a iluminar, mas ninguém estava ali a ler notícias. Ninguém disse nem ouviu que O Sr. Trump foi baleado enquanto os Pearl Jam davam um desses grandes concertos de libertação elétrica dos nossos dínamos. E no entanto…
Algés foi o lugar do contrafactual, a prova de que podemos ainda e sempre ser felizes regressando aos mesmos sítios com as mesmas pessoas. Duas horas de repertório e sobrava ainda meia lista de desejos, enquanto duas canções, Imagine de John Lennon e Rockin’ no mundo livre de Neil Young, foram cantadas com zero de revivalismo e tudo de esperança.
Ali pelas 23h30 – mais coisa menos coisa à hora em que um tiro sangrou a ouvido do ex e talvez porvir Presidente dos EUA – cantaram-se de enfiada duas músicas, Porque ir e Jeremias. São ambas do mítico álbum de estreia, Dez (1991), ambas da dupla Eddie Vedder e Jeff Ament, ambas sobre miúdos americanos desalimentados de paixão e alimentados de raiva.
Jeremias é inspirada em duas histórias, a de Jeremy Wade Delle, que foi nota de rodapé num jornal por se ter suicidado na sala de lição com um tiro boca adentro porquê forma de vingança contra os colegas que o assediavam e a escola que não o protegia; e um outro miúdo, colega de Eddie no liceu, que um dia entrou na escola armado aos tiros.
São tantos, mas tantos os tiroteios em tamanho nos Estados Unidos que só se tornam notícia pátrio quando assumem contornos de hecatombe alargada. Levante ano, até 14 de julho, estavam contabilizados nos EUA 299 tiroteios em tamanho – tiroteios que feriram ou mataram quatro ou mais pessoas, sem incluir o atirador.
299 tiroteios em tamanho. Em 195 dias.
Em Porque irMike McCready deu o primeiro solo monumental da noite, não seria o único, guitarra detrás do pescoço, guitarra nos joelhos, guitarra de glitter vermelho porquê os sapatos mágicos de Dorothy na estrada de tijolos amarelos para Oz, Tenho a sensação de que não estamos mais no Kansasestamos já na Pensilvânia e ainda não o sabemos, McCready pratica a bigamia entre a Gibson Les Paul e aquela Fender Stratoscaster com a madeira puída que, no solo de Varandanos deixa boquiabertos e não só para trovar. Porque ir é sobre uma rapariga largada (ou aprisionada) numa instituição mental pelos pais que não sabiam o que fazer com ela. É uma outra história de violência.
Mike McCready (à esquerda) e Jeff Ament (à direita) em Algés leste sábado à noite. Foto José Sena Goulão/ Lusa
O negócio, o lobby e a cultura das armas nos EUA estão mais do que documentados mas ter uma arma à mão é um risco porque faz explodir a quente as raivas frias. Nos mesmos 195 dias de 2024 houve mais nove milénio homicídios nos EUA. Neles morreram 129 crianças até aos 11 anos. Morreram 639 adolescentes dos 12 aos 17 anos. Morreram zero Presidentes dos EUA.
Ainda na sexta-feira uma família americana de visitante ao Oceanário em Lisboa estava pasmada com a falta de segurança em torno do Presidente Marcelo e da princesa Leonor de Espanha: “Onde estão os atiradores?”, questionavam. Somos – e somos mesmo – um país da tranquilidade e da descontração. No Nos Alive estiveram suspensos numa espécie de gruas pernaltas frente ao palco vários homens isolados. Eram operadores de câmara. Nos EUA seriam snipers.
De todas as coisas impressionantes no atentado que deixou Trump com uma ouvido porquê a de van Gogh – a nequice dos serviços secretos, a sorte de Trump em permanecer ferido ligeiro, a rapidez da ação, a morte em segundos do atirador, Thomas Matthew Crooks -, zero é mais impressionante do que a reação de Trump, que com absoluta noção de espaço, de tempo e de notícia gritou a sua própria raiva de sobrevivente, produzindo uma imagem rememorável. Os democratas, que já não sabiam o que fazer com Biden, estão agora gelados com a confrontação feita entre Trump e John F. Kennedy.
É muito verosímil que o fado dos EUA e do mundo se tenha deliberado naqueles segundos, quando já era sábado-para-domingo em Algés e quarenta milénio almas cantavam o pacifista “Imagine”. Os republicanos do Make America Great Again já tinham candidato, agora têm herói. A violência tornou-se trunfo e triunfo eleitoral, sabe-se lá com que repercussões. Se Trump lucrar a eleição, Putin rirá, o planta da Europa poderá ser revisto e os EUA elegem um varão culpado e já sentenciado em tribunal. Até a infame invasão do Capitólio será afirmada pelos vencedores porquê uma guerra popular de libertários. É leste o risco, para o qual os democratas não têm veneno nem contraveneno.
Os Pearl Jam terão regressado aos Estados Unidos, a Seattle, depois de nos darem (mais) um dos nossos grandes concertos. Há ser margem antiga e permanecer no médio-mais, porquê fizeram os Smashing Pumpkins na quinta-feira, Billy Corgan com rosto de recém-nascido vestido de Nosferatu; há ser margem em repeat, porquê os Arcade Fire na mesma noite, mas fazer o mesmo concerto que já vimos três vezes com tanto profissionalismo que zero nequice e o público salta e agradece. Mas os Pearl Jam, que também trouxeram Destroços recentes, troaram canções do pretérito cheias de porvir.
Eddie Vedder até precisou de ler algumas das letras novas no monitor, até repetiu a t-shirt que trouxe há cinco anos, mas só se enganou numa coisa: nem sempre são as pessoas que encontram os líderes – no caso de Trump foi ele que se descobriu a si próprio. De resto, Eddie acertou em tudo, incluindo nos ouvidos e nos corações dispostos em Algés. O concerto foi um voo contrapicado de olhos em lágrimas em direção às estrelas de um porvir, não por satisfazer mas por escolher. Em liberdade. Em democracia. Agora aos tiros. Porquê se fosse notícia. Porquê se fosse normal.
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