No ano em que se celebram 500 anos sobre o promanação de Luís Vaz de Camões, a obra “Sorte, Possibilidade, Tempo e Possibilidade” é apresentada porquê “a mais completa e rigorosa abordagem à vida do poeta”. Isabel Rio Novo, doutorada em Literatura Comparada pela Faculdade de Letras do Porto, professora universitária e escritora finalista dos Prémios Leya e Oceanos, dedicou cinco anos a esta pesquisa e à reunião de informação dispersa, tendo viajado também até Goa e a Moçambique.
Considerado um dos lançamentos mais aguardados do ano – o livro chega às livrarias a 20 de junho –, esta biografia de Camões, com 728 páginas, alia a grande qualidade de escrita de Isabel Rio Novo à sua capacidade de investigação e rigor estudante. Em entrevista ao mediotejo.net, a autora aceitou levantar um pouco o véu sobre o que escreveu a propósito da relação de Camões a Punhete, atual Persistência.

728 Pág. | PVP 24,90€
Antes de ser convertido em símbolo da nacionalidade ou em paradigma do poeta genial, Luís Vaz de Camões foi quase tudo quanto um varão podia ser no tempo em que viveu. Um estudioso e um humanista. Um sedutor que perseguiu amores proibidos. Um cortesão e um boémio, movimentando-se entre as casas dos grandes senhores e as ruelas da cidade. Um desordeiro, frequentemente envolvido em arruaças, que se viu atirado para a prisão. Um soldado que combateu no Setentrião de África, de onde saiu mutilado, perdendo um olho, e depois na Ásia, onde passou dezassete anos, naufragou e escapou à morte. Um viajante deslumbrado com os mundos que as viagens marítimas revelaram ao Poente. Um jornalista que renovou a língua portuguesa, publicando uma obra excecional e perdendo outra de igual valor.
Nascido no culminância do predomínio, testemunhando-lhe os primeiros sinais de decadência e as consequências do desaparecimento de D. Sebastião, a quem dedicou o seu poema homérico, morto no dealbar da dominação espanhola, Camões celebrou e contestou os feitos do peito ilustre luso e pôs em verso as contradições de uma vida pelo mundo em pedaços repartida. Morreu doente, pobre e desalentado.
Revela nesta biografia de Camões qualquer facto novo sobre o período em que o poeta terá vivido em Persistência?
De facto há uma espécie de mito muito antiga que associa Camões a Persistência. Eu parti para a pesquisa que conduziu a esta biografia tentando evitar todo o tipo de “primeiro”. Entre esses “primeiro” estava, obviamente, não admitir sem um raciocínio crítico todas as lendas [associadas à vida de Camões]mas também não ter pavor de examiná-las, porque porquê sabemos, sob a mito encontra-se frequentemente um fundo de verdade, mesmo que muito modificado através dos séculos.
E o que conseguiu apurar, neste caso?
Apurei que de facto os biógrafos antigos tinham razão quando falaram nos “amores de Camões” com uma senhora da Galanteio do palácio da Rainha. E esses “amores”, por serem considerados aquilo que na quadra se chamavam “amores desiguais”, entre indivíduos de estratos sociais diferentes, causava problemas. Neste caso, Camões seria de regime social manifestamente subalterno ao da senhora e a família dela interveio. Para evitar um envolvimento mais sério, Camões foi objeto daquilo que na quadra se designava por “desterro”, que era um penalidade que não equivalia exatamente a um exílio real e muito menos a uma pena de prisão. Era, no fundo, uma ordem de encolhimento temporário do sítio de residência, e por regra durava um ano.
Quem impunha esse “penalidade”?
Essa ordem pode ou não ter envolvido diretamente o Rei, mas saiu decisivamente da Galanteio, a pedido da família da rapariga. Os primeiros biógrafos situam o desterro de Camões “em terras do Ribatejo”. Vendo a sua obra lírica, não há incerteza que ele conheceu muito as terras ribatejanas, e vários estudiosos tentaram ao longo dos anos identificar o sítio rigoroso onde Camões teria permanecido.
Eu penso que ele podia ter intenção de subir a Coimbra, onde tinha pretérito a sua mocidade, mas que talvez a notícia da morte do tio – que era Dom Bento de Camões, do Mosteiro de Santa Cruz –, o tenha dissuadido, e ele acabou por permanecer no Ribatejo, provavelmente em mais do que um sítio.
O que a leva a concluir isso?
Camões não tinha propriedades, portanto onde é que ele podia acoitar-se? Em lar de conhecidos, de amigos, de familiares, e é provável que tenha pretérito por mais do que uma povoação ribatejana. Agora, há de facto indícios, quanto a mim, de que ele terá permanecido na portanto vila de Punhete, atual Persistência. Primeiro, há desde logo uma relação a Punhete que, segundo alguns biógrafos, teria feito secção das doações do rei Dom Fernando ao trisavô galego de Luís de Camões, que se chamava Vasco Pires de Camões. Em todo o caso, sabemos que [no período do desterro de Camões] viviam em Punhete membros da família Sande, com quem o poeta teve relações de amizade e de convívio.
“Punhete terá feito secção das doações do rei Dom Fernando ao trisavô galego de Luís de Camões, que se chamava Vasco Pires de Camões.”
Isabel Rio Novo
E há outro sinal possante: muitos anos mais tarde, estando Camões já na Índia, por volta de 1560, houve uma ceia organizada por ele, um jantar com amigos, e nós dispomos da “lista de convidados”, uma vez que ele deixou umas trovas que foram copiadas em cancioneiros manuscritos da quadra. Ora, todos esses convidados estavam ligados, de uma forma ou de outra, à vila de Punhete – o que permite até supor que aquele jantar de amigos em Goa pode ter sido uma espécie de reencontro de pessoas que já se conheciam anteriormente, de Punhete, e que naquele ano estavam todos porquê soldados em Goa.
É portanto em tudo isto que me baseio para, apesar de não poder declarar categoricamente, expressar que não é zero absurda, nem tonta, a tradição que atribui a permanência de Camões na vila a que hoje chamamos Persistência.
E não há mais nenhum sítio específico no país, porquê aquele em que se ergueu a Moradia-Memória de Camões, em Persistência (sobre as ruínas da lar quinhentista onde terá vivido), que possa reivindicar uma relação com nascente intensidade de certeza, patente?
Não, não há. Haveria somente a prisão do Tronco, em Lisboa, mas foi totalmente destruída. Se formos pegar nas referências geográficas que há na verso de Camões, não podemos expressar categoricamente que ele descreve Persistência [ou qualquer outra terra ribatejana]embora muitos tenham tentado estabelecer isso. Mas também não se descobriu nenhuma outra peça porquê aquela que refere os seus amigos de Punhete – e que tem por título “Festim de Provas” –, e que permita vincular inequivocamente Camões a outra localidade com nascente intensidade de… não diria verdade, mas de possante possibilidade, ou verosimilhança.
Essa relação dos amigos de Camões a Punhete já estava documentada, ou descobriu-a durante a sua investigação?
Não fui eu que descobri as ligações destes amigos de Camões a Punhete, mas grande secção do meu trabalho foi coligir muitas pequenas informações que estavam dispersas e completamente não relacionadas entre si, e às vezes juntar peças que nunca tinham sido aproximadas e fazer nascente tipo de ligações. Porque realmente, se olharmos para a “lista dos convidados”, e vermos que são, por exemplo, Vasco de Ataíde, Heitor da Silveira, Dom Francisco de Almeida… estudando a biografia de cada um destes personagens percebemos que todos têm alguma relação possante a Punhete. E quando estou a falar de “relação possante”, para se perceber que não é forçada, é expressar por exemplo que Vasco de Ataíde era sobrinho dos senhores de Punhete, é expressar que Heitor da Silveira era neto do terceiro marido de Dona Guiomar Freire, que era senhora de Punhete e casou duas vezes, e assim sucessivamente. Todos eles tinham relações familiares naquela localidade. Não posso declarar categoricamente que Camões esteve com eles em Punhete, mas nascente é um sinal muito possante.
E porquê terá sido para ele esse desterro?
Embora ele tenha deixado muitas poesias que podem ou não ser datadas deste período, e em que ele se queixa da amargura do desterro, do isolamento, da solidão, em que ele interroga as próprias águas do Rio Tejo, exprimindo o libido de poder ir com elas até Lisboa para ver a pessoa que amava, não terá sido zero comparável aos meses que passou depois numa cubículo húmida e escura, na prisão do Tronco, em Lisboa.
Evidentemente, ser semoto do sítio onde tinha os seus amigos, os seus familiares, onde estava a rapariga de quem ele gostava, zero disto foi aprazível de suportar, mas certamente ele teve momentos de lazer, momentos em que privou com esta nobreza associada à região de Punhete, momentos de convívio, momentos criativos… portanto, não podemos considerar que nascente tempo foi muito duro.
E pretérito esse ano de desterro no Ribatejo, o que sabemos sobre o seu volta a Lisboa?
A seguir a nascente período de encolhimento da Galanteio, Camões “reincidiu nas mesmas culpas amorosas” – assim escreveram os seus primeiros biógrafos – e, não se sabe até que ponto foi ou não sua a decisão, mas ele foi pouco depois para o setentrião da África, e esse encolhimento é normalmente eleito porquê “o segundo desterro de Camões”. Foi no setentrião de África, provavelmente em Ceuta, que Camões recebeu o famoso ferimento que lhe valeu a perda do olho recta.
Dedicou cinco anos à investigação para esta biografia, mas, sendo uma figura com esta dimensão, gostava de ter podido dedicar-lhe mais tempo?
Sim, mesmo faltando muitos registos da quadra – porque se perderam em terramotos, incêndios, inundações, ou simplesmente porque eram perecíveis –, poderíamos destinar uma vida toda a investigar Camões. Fiz tudo o que foi verosímil e só tenho pena de não ter nascido noutro país, para poder ter uma equipa de assistentes de investigação. Teria podido nomear, por exemplo, uma pessoa para estudar somente e especificamente Persistência.