Março 18, 2025
Hit Me Hard and Soft: o glorioso desnorte de Billie Eilish | Sátira

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Depressão, deambulações existenciais, uma serenidade aflitiva de tão suspeita – assim se desenrola Mais feliz que nunca (2021), segundo álbum de Billie Eilish, até rebentar. À penúltima tira, dinamita-se o audioterror psicológico: começa num lamento pianíssimo, só guitarra acústica e choraminguice; acaba por detonar uma explosivo emo, distorção, berraria, a fúria de viver que nos tinha sido negada antes. Foi o único sucesso inquestionável desta temporada, um rude – mas eficiente – despertar para quem estava a passar pelas brasas (vergonha!) durante um dos melhores discos da dez.

A duplicidade sempre lhe caiu muito, desde o gigantesco Faceta mau (2019). O grosso do solteiro era um esboço entusiasmado gótico, entusiasmado pelo teclado fantasmagórico que todos cantarolámos – tu-ru, tu-ru-ru-ru-ru e, à saída, uma travagem brusca, um derrame de trap peçonhenta. O álbum Mais feliz que nuncaalém da faixa-título, repetia o truque, na lenta revelação de Meu porvir (rebento de soul a grelar a cada segundo) e no puro cinema de Cometa Halley (do zero, o piano descola, para rasgar o firmamento).

Ao terceiro disco, 50% das faixas são compósitas, instáveis de propósito. A música híbrida é o corpúsculo, a unidade básica de Roupão-me com força e suavidadede modo que início e término perdem significado e utilidade. Está escarrapachada no título, aliás, a ambivalência: placagem dura e suave, o que Eilish e o irmão/produtor Finneas são capazes de consumar no decurso de uma só música.

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Música, um? Paixão da minha vida atravessa dois hemisférios, com uma transição acidentada, para não proferir martelada – e é igual ao litro, porque não se dá a menor quebra de virilidade. Primeiro, Eilish demora-se sobre soft rock compassado, com seriedade e expressão perfeita, uma vez que se possuída por Julie London (inspiração assumida no disco anterior, jazzístico cá e ali, também nos seus desenhos harmónicos). De repente, inala hélio, teletransporta-se para uma pista de dança electroclash, e mostra que a faixa-título de Mais feliz que nunca não tinha sido um possibilidade feliz: ei-la a trovar a plenos pulmões, desafogada, gloriosa. Tudo isto numa só tira, ao estilo de Na Namoro do Rei Encarnadodos King Crimson, ou das suítes o Frank Zappa.

Azul verte desamor em pratos, guitarra eléctrica e reles – uma vez que boa secção do álbum, emprega um instrumentário simples mas implacável – ameaçando transbordar. O suspense nunca se resolve, é trocado por outro, com orquestra e uma batida de trap glacial. Dá para prognosticar que nos vai compelir pela subcorrente, tal uma vez que no excerto reggae de Suíte amargae ainda mais na viagem de Chihiro (vaivém entre uma malha de reles elástico, que a artista usa uma vez que corda para saltar, até à explosão dos teclados estilo M83) – mas o sentido de surpresa nunca se dilui. E isso não depende da fusão de mundos. Acontece também quando Eilish se rende ao paixão, descerrando o punho e desfranzindo o sobrolho, em Flores silvestres e Farinha do mesmo saco (onde a pandeireta e a marimba frisam a inocência desta espécie de sol popmas sem drogas).

A miúda sinistra, caricatura de madeixas verdes, volta para o humor retorcido de O jantarretrato de um perseguidor – uma vez que se Tom Waits desenterrasse uma envoltório do tempo de 2007, com a pop paranóica que faziam nessa profundidade Britney Spears e Rihanna. De resto, Roupão-me com força e suavidade é a obra de uma Billie Eilish desassombrada, aos 22 anos de idade, num novo pico de destreza vocal, destreza melódica e de formação. É o mais criativo uso da privilégio de mandar tudo às urtigas – principalmente a teoria de uma música firme e fechada em si própria.

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