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Há um antes e um depois de Desalmadamente, o álbum escrito pelo músico e compositor Pedro da Silva Martins, ex-membro dos Deolinda, que em 2019 resgatou Lena D’Água de um aparente esquecimento, catapultando-a de novo para o topo e apresentando-a, ao mesmo tempo, a toda a uma nova geração de fãs. Como bónus, o primeiro trabalho de originais da cantora em 30 anos, conseguiu também a proeza de conquistar a crítica, com o disco a ser considerado por muitos sites e publicações como um dos melhores desse ano. Afinal, nem mesmo no período mais áureo da carreira, nos anos 80, quando canções como Robot, Sempre que o Amor me Quiser ou Dou-te um Doce entraram para a banda sonora das vidas de milhares de pessoas, tal foi conseguido, como a própria recorda com humor nesta conversa. Mas isso também já é passado, agora é tempo de seguir em frente com mais um registo de originais, Tropical Glaciar, no qual a cantora dá voz a alguns temas que lhe são muito caros, como a ecologia e a defesa do ambiente, com a mesmo voz cristalina de sempre. Com lançamento marcado para dia 15 de novembro, o novo longa-duração terá estreia ao vivo no dia 12, no Teatro São Luiz, em Lisboa, onde Lena d’Água sobe agora ao palco acompanhada por uma nova banda, composta por Pedro da Silva Martins (Guitarra e Voz), Luís J Martins (Guitarra e Vozes), Nuno Prata (Baixo), Cat Falcão (Guitarra e Vozes), Sérgio Nascimento (Bateria, Percussão e Vozes) e Vicente Santos (Teclado e Vozes).
Que álbum é este? Parece haver aqui uma série mensagens, desde defesa do ambiente a um lado talvez mais autobiográfico. Houve alguma sugestão ao Pedro da Silva Martins nesse sentido?
Não, o Pedro já me conhece muito bem e sabe que havia alguns assuntos que eu pretendia abordar. Aliás, quando fizemos o álbum anterior, ficou logo falado que haveríamos de fazer uma continuação. No outro, o tema da ecologia já tinha sido abordado, em Jacaré, até porque ele sabe bem das minhas preocupações em relação a esse assunto. Desta vez ele teve esse cuidado, de ir ao encontro desse meu lado. Ainda no outro dia, durante um ensaio, ele contou aos restantes músicos que o tema Fruta Feia surgiu devido a uma partilha que eu tinha feito nas redes sociais.
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Como é que essa preocupação com o ambiente se manifesta no seu dia-a-dia?
Fazendo aquilo que uma pessoa sozinha pode fazer, divulgando bons exemplos e lembrando o que ainda podemos fazer para inverter uma situação cada vez mais insustentável.
Daí a necessidade de trazer esse assunto para o disco, para a mensagem chegar a mais pessoas?
Sim, o Pedro sabia que faltava essa parte nas letras do Desalmadamente e agora este disco acaba por ser assim mais virado para fora, para o planeta.
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Mas também há um ou outro tema mais autobiográfico, será?
Sim, talvez a Metaversão ou a Semente, que é um tema que, estou convencida, os mais pequenos vão gostar muito, tal como o Fruta Feia.
Há toda uma nova geração de fãs a gostar de Lena D’Água, é isso?
No outro disco, a quantidade de mensagens que recebi nas redes sociais foi incrível, todas elas muito queridas, algumas de vídeo, com as crianças pequenas a cantarem as minhas músicas, mesmo algumas das mais antigas, como a Robot. Aliás, tenho um novo clube de fãs no Instagram que foi criado por dois miúdos, ela tem 14 e ele 17. Chama-se Tropical Glaciar, foram eles que escolheram o nome, mas a graça foi o modo como eles chegaram a mim. Durante a pandemia, o Tiago, que tinha então 13 anos, teve de estudar Florbela Espanca. E durante as aulas online passaram o meu primeiro single O Nosso Livro, editado em 1979, e tinha como letra um soneto da Florbela Espanca. O miúdo, que hoje é o meu maior fã, reparou na minha voz e depois foi para a internet à procura dessa tal Lena d’Água. Não é incrível? E nem sequer foi com um dos êxitos, mas logo com o meu primeiro single, do qual já quase ninguém se lembra.
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Porque desde esse primeiro single até ao sucesso que depois alcançou durante os anos 80 ainda passou algum tempo…
Sim, ainda foram cerca de três anos a partir pedra.
Lembra-se de quando é que cantou em público pela primeira vez?
Foi em 1976, com os Beatnicks. Entrei para a banda nesse ano e a 27 de março estreei-me ao vivo na Festa dos Finalistas do Liceu de Sintra. Passei a vida toda a dizer que tinha sido em maio, mas recentemente, há cerca de um mês, enviaram-me um bilhete a provar que tinha sido de facto em março. E ainda bem, porque gosto muito de datas e tenho boa memória para elas. E a Robot, que foi o meu primeiro grande êxito, surge só cinco anos depois de ter começado a cantar e a fazer concertos.
Como é que foi essa travessia até ao sucesso?
Estive dois anos com os Beatnicks e durante esse período nunca fomos à televisão nem passámos na rádio, que eram os únicos meios de promoção na altura. Aliás, eu nunca cheguei a editar nada com eles porque só depois de eu sair da banda é que eles gravaram o primeiro single. Isto foi tudo logo a seguir ao 25 de Abril. Na altura da revolução eu estava na faculdade, a tirar Sociologia, mas como ficámos sem aulas nem professores, passados alguns meses acabei por desistir do curso. Pelo meio ainda estive num grupo de teatro, assim mais alternativo, que andava pelos bairros pobres à volta de Lisboa, a levar a cultura às pessoas. Entretanto conheci o pai da minha filha, que acabou por ser meu marido, e quando já estava à espera de bebé resolvi fazer a admissão para a escola do magistério primário, para ser professora. Entrei em 1975, a Sara nasceu no último dia desse ano e em 1976 entrei para os Beatnicks como vocalista. Saí da banda no início de 1978 e acabei o curso nesse mesmo ano. Foi nos Beatnicks que o produtor António Moniz Pereira me ouviu pela primeira vez, durante um concerto nos Açores. Foi ele que me começou a chamar para fazer trabalho de estúdio, como coros para outros artistas já consagrados e publicidade. Foi assim que conheci os dois músicos e criativos com quem fundei a [banda] Salada de Frutas, já em 1980, o Luís Pedro Fonseca e o Zé da Ponte.
É com eles que o sucesso chega finalmente, certo?
Antes disso ainda fizemos um primeiro álbum muito giro, o Sem Açúcar, mas que na altura foi completamente atropelado pelo Ar de Rock do Rui Veloso (risos). Mas depois, em 1981, quando gravámos o single Robot, aí sim, rebentou. Entrámos logo diretamente para o primeiro lugar do top que havia na altura.
E entretanto a carreira de professora ficou pelo caminho?
Ainda estagiei em duas escolas, mas já mais direcionadas para a área de música, movimento e drama, para a qual já estava mais direcionada. Mas depois comecei a ganhar dinheiro com o trabalho de estúdio e dediquei-me de vez só à música.
Como é que nessa altura uma mulher e mãe era vista pela sociedade ao tomar uma opção dessas, de desistir de ser professora para passar ganhar a vida a cantar?
Em relação a ser a mãe, eu na altura ainda vivia em casa dos meus pais, em Benfica, e eles sempre me apoiaram em tudo o que fiz. Portanto, tinha toda a disponibilidade para ir ensaiar e fazer concertos. Os meus pais nunca fizeram planos, nem para mim nem para os dois irmãos, e sempre nos deram total liberdade para sermos o que quiséssemos.
Conseguiu então conciliar a maternidade e o casamento com a música.
O casamento não, que só durou três anos, mas acima de tudo porque nos casámos muito novos. Eu tinha 19 e ele 21, éramos uns miúdos. Mas como tinha a minha filha, só saía para ir ensaiar e dar concertos, nunca saía à noite. E nem me apetecia muito.
Ou seja, nada daquela vida boémia que habitualmente se associa ao rock & roll…
Zero, e o mais engraçado é que há uns anos fizeram uma série na RTP sobre o início do rock português, em que puseram a Lena d’Água no Frágil nos anos 80, que é um sítio onde nunca fui. Acho que só fui ao Frágil pela primeira vez já nos meados dos anos 90, porque estava com alguém que era cliente habitual (risos). Eu era de Benfica, que na altura era uma espécie de subúrbio de Lisboa, e tinha uma miúda pequena, não dava, não é? Mais tarde sim, tive uma fase de sair, mas era mais para ir dançar, ao Kremlim. Onde ia algumas vezes, até para encontrar amigos, era ao Hot Clube, aí sim, fui muitas vezes. Foi lá que vi pela primeira vez tocar o Luís Pedro Fonseca, com quem mais tarde fiz uma parceria que havia de durar muitos anos, e uma data de discos e canções incríveis, embora na altura ainda não o conhecesse.
E como lidou com a imagem de sex-symbol que quase de imediato lhe foi associada?
Enfim, sim, usei mini-saia nalguns vídeo-clips, mas depressa deixei de usar ao vivo porque me começou a chatear a quantidade de homens que se acotovelava em frente ao palco. Estamos a falar de um tempo em que os homens dominavam tudo, nas rádios, nos jornais, nas televisões, nos estúdios de gravação, e isso pesava. Era muito rara a mulher que tinha entrada nesses meios. É incrível como hoje em dia tudo mudou e as pessoas se calhar nem têm noção disso. Agora, quando se entra numa redação ou num estúdio, já há mais raparigas que homens, mas na altura não. Mesmo na música erámos muito poucas, praticamente era eu e a Adelaide Ferreira, embora ela só tenha sido mãe muito mais tarde.
Era algo que incomodava?
A dada altura começou a irritar-me um bocadinho. Lembro-me até de dizer, em jeito de brincadeira, que a Rosa Mota, que é uma mulher da minha idade, também andava sempre com as pernas de fora e isso não era questão para ninguém. Até porque as minhas canções não têm nada de provocante, nenhuma delas. Ok, até acho que tinha alguma pinta e umas pernas bonitas, numa altura em que não havia ginásios nem nada parecido, mas era uma questão genética, nunca quis provocar ninguém. E mesmo a questão da mini-saia, que na verdade era uma túnica branca, usada em dois vídeo-clips e numa famosa festa da revista Sete, usei-a porque me apeteceu, não era uma questão de imagem ou qualquer tipo de imposição da editora, como já me chegaram a perguntar. Partes das roupas que usava até era eu que as fazia (risos). Mas pronto, foi um rótulo que me colaram, até porque nunca souberam muito bem em que me gaveta me haviam de pôr. Mesmo a crítica, naqueles anos, nunca foi muito fixe para mim. Davam-me quase sempre duas estrelas em cinco, como aconteceu com o álbum Perto de Ti, de 1982. Ou então pura e simplesmente ignoravam-nos. No Aguaceiro, de 1987, o álbum que tem a versão do Estou Além, do António Variações, um conhecido crítico escreveu que só de olhar para a capa já não tinha sequer vontade de ouvir o disco. Epa, ao menos que ouvisse e depois dissesse mal da capa (risos). Chegaram a dizer que a minha voz era afinada demais, como se isso fosse mau. Só a revista Sete é que nos deu alguma atenção. Por exemplo, acho que nunca saímos no então jornal Blitz, só depois da terceira idade é que consegui essa proeza, já com o álbum Desalmadamente (risos).
Não sei se concorda com o termo, mas como é que lidou com o renascimento artístico que esse álbum lhe proporcionou?
Percebo que as pessoas usem esse termo, mas eu ainda sabia muito bem o que tinha dentro de mim e nem estive propriamente parada. Costumo até dizer que andava em “trânsito local”, especialmente depois do sucesso das Canções do Século, que fiz com a Helena Vieira e a Rita Guerra e me ocupou grande parte da década de 90. Ainda falei com algumas pessoas para me escreverem originais, mas não era fácil encontrar alguém para substituir o Luís Pedro, depois de tudo o que conseguimos juntos. Ainda recebi algumas coisas, quase tudo escrito por homens, claro, mas nada me encantou.
Até que apareceu o Pedro da Silva Martins, que escreveu o Desalmadamente e agora também este Tropical Glaciar.
Parecia que estava à espera que essa pessoa aparecesse. O mais engraçado é que a família do Pedro morava muito perto de mim, em Benfica. O Pedro lembra-se de me ver no mercado de Benfica, quando ia às compras com o pai (risos). Ele tem mais ou menos a mesma idade da minha filha e cresceu com as minhas canções. O nosso encontro aconteceu devido ao Fernando Alvim, que num ano nos convidou para sermos júris do Festival Alternativo da Canção. Num desses eventos ele pediu-me para cantar duas canções, mas as pessoas pediram mais e eu cantei à capella uma versão de A Culpa é da Vontade, do Variações. O pessoal já estava todo muito acelerado, mas fez-se um silêncio incrível nesse momento. E no final, o Pedro disse-me uma frase que nunca mais esqueci: “um dia ainda vou escrever para ti”. Isto foi em 2015 e algum tempo mais tarde, já depois da separação dos Deolinda, no final de 2016, ele telefonou-me para me convidar a cantar uma canção dele no Festival da Canção. E foi assim que tudo começou.
Com o Desalmadamente, acabou por fim por conquistar a crítica de forma unânime, com o álbum a ser considerado um dos melhores discos de 2019, inclusive pela agora revista Blitz.
E soube-me tão bem, mas estamos a falar de outra geração, que já não tem uma série de vícios que existiam na altura. Parecia que quem não cantasse como os Joy Division ou os New Order era uma porcaria, e o Luís Pedro tinha outras influências, mais ligadas ao rock progressivo, que na altura já eram olhadas um bocado de lado.
E permitiu-lhe chegar a toda uma nova geração de fãs.
Sim, especialmente às crianças. Não sei, se calhar é a minha voz que lhes transmite qualquer coisa. O que é normal, porque no fundo acho que nunca deixei de ser uma criança e elas topam isso (risos).
É por isso que essa voz tão cristalina de miúda se mantém como sempre?
Embora não faça muito por isso! Ando descalça, apanho correntes de ar, ainda fumo uns cigarros de vez em quando. A única coisa com que tenho algum cuidado é em não apanhar sol na cabeça, tal como me disse a minha professora de canto já há muitos, muitos anos. Nunca me esqueci disso. Também deverá ser genético, mas além disso tenho a sorte de não ter dificuldade em dormir. Aqui na aldeia, então, por vezes às nove já estou deitada. Ou seja, consigo descansar.
O que pode já revelar sobre o espetáculo de apresentação do disco Tropical Glaciar, marcado para o dia 12 de novembro no Teatro de São Luiz, em Lisboa?
Vamos tocar todos os temas do disco novo, além disso escolhemos quatro do Desalmadamente e do repertório dos anos 80 vamos ter outras seis. Ao todo, vamos tocar vinte canções, mas não digo quais! Só posso dizer que vamos abrir com a Tropical Glaciar, que dá nome ao álbum. Gosto muito do alinhamento, porque as músicas do Pedro casam muito bem com as do Luís Pedro, nem parece que têm tanto tempo de diferença, apesar de serem feitas por pessoas diferentes. Não se sente ali corte nenhum, embora as pessoas adorem sempre que voltamos lá atrás, aos anos 80, porque são canções que fazem parte da vida delas.
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