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Depois da pandemia, o mundo pensou que podia finalmente descansar e ir a um restaurante tranquilamente. Ora, o vírus amansou, mas logo a seguir um indivíduo que gosta de andar a cavalo em tronco nu decidiu que o universo precisava de uma guerra – daquelas a sério, como antigamente.
Como se não bastasse, os desvairados do Médio Oriente começaram a rebentar-se uns aos outros e a incerteza prolongou-se.
O que é que isto tem a ver com restaurantes e com Lisboa?
Muito. A inflação só começou a desinflacionar em 2023, mas não no que respeita aos preços da comida. Não no que respeita a Lisboa.
No meio desta loucura toda, apesar de tudo, a cidade passou a ser vista lá fora como uma espécie de paraíso na Terra. Lisboa já estava na moda e com a instabilidade mundial tornou-se num ermo raro à beira-mar, um lugar onde o único conflito que existe acontece entre inquilinos e senhorios.
Com a vinda de turistas, expatriados, nómadas digitais e todo o tipo de pessoas que gostam de sol e de paz no mundo, a gastronomia lisboeta continuou a mudar, para o bem e para o mal – a começar nos preços, passando pelos menus e acabando no modo como reservamos mesa (adeus telefonema, olá reserva online).
O último ano ficará na história como aquele em que se tentou disseminar a gorjeta automática digital, ou seja, em que começámos a ser pressionados a dar dinheiro sabe-se lá a quem (empregado, copeiro, cozinheiro, patrão – todos?). Foi também o ano da taxa do talher e do preço dos vinhos (mais manhosos) a começar nos 20 euros. O ano em que o leite creme passou a crème brulée, e o brownie de chocolate continuou a ser brownie de chocolate, e a tarte basca se confirmou como o novo cheesecake.
Foi o ano em que vi menos portugueses em restaurantes, mas sobretudo nos restaurantes do eixo Campo de Ourique-Alfama (em diversas ocasiões, fui mesmo o único na sala a falar português – e incluo, aqui, empregados e patrões). Na Baixa de Lisboa terão aberto mais restaurantes de proprietários estrangeiros do que de portugueses.
Foi o ano em que os chefs, nacionais ou estrangeiros, continuaram a apostar nos pequenos bistrôs, mas onde vimos também marcas ibéricas a expandirem-se, como foi o caso dos Honest Greens; ou operadores de luxo lusos a diversificar oferta, como no caso dos JNcQUOI, dos Amorim.
Foi o ano em que as chefs mulheres continuaram a ficar à sombra do reconhecimento, em que o WC não binário proliferou e em que Lisboa continuou sem ter uma cena gastronómica africana como devia.
Foi o ano que nos deu a primeira gala Michelin sem Espanha e em que dois pesos pesados espanhóis deixaram de estar representados no país: Eneko Atxa (Eneko Lisboa) e Martín Berasategui (Fifty Seconds).
Curiosamente, foi também o ano em que o restaurante mais badalado da cidade, no meio dos gourmets pátrios, acabou por ser não um Michelin de alma lusitana, mas sim uma casa com influências de nuestros hermanos (o Canalha), ainda que liderada por um chef português (João Rodrigues).
Foi o ano da confirmação do Tricky’s e do seu chef, João Magalhães Correia, cada vez mais dono do sítio e mais seguro (restaurante lamentavelmente arredado dos galardões Michelin, mas onde tive uma das melhores refeições do ano). E em que António Galapito, do Prado, deixou de ser visto como um cozinheiro porreiro e trabalhador e subiu ao Olimpo dos seniores, por mérito próprio.
Foi o ano do pato confitado, da beterraba, do peixe curado, do carabineiro (a saber a fénico), da corvina e do lírio (de aquacultura). Continuou a ser o ano das pizzas, dos pratos para partilhar, das tabernas portuguesas de autor (Copo Largo, Os Papagaios), dos ramens japoneses e chineses, dos nepaleses a cada esquina e de cada vez mais barbecues coreanos (quase sempre de donos chineses) e casas de hot pot (idem).
Continuou a ser o ano dos pré-processados de supermercado retalhista. Dos fermentados, dos pickles. O ano em que se tornou cada vez mais difícil encontrar uma água não filtrada, sem logo da casa. Em que tivemos melhores cartas de vinhos com mais vinhos a copo. O ano em que tivemos melhores copos.
Continuou a ser o ano das mesas comunitárias, das mesas em banda, das mesas cada vez mais apertadas.
O ano em que as tascas não desapareceram, mas estão cada vez mais na periferia. O ano em que os lisboetas foram comer mais à periferia. Foi o ano em que, novamente, Lisboa esteve a salvo de tumultos e bombas. O ano em que Lisboa continuou a ser uma das cidades mais seguras da Europa.
Para se viver. Para se comer.
+ Metade brunch, metade bar. Neste Hemisfério, é assim que se faz
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