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Desde a pandemia, a economia brasileira tem surpreendido os analistas com alguns bons números. A recessão em 2020 foi menor do que o antecipado, assim como a recuperação da atividade e do emprego desde 2021 tem sido mais forte do que esperava a maioria dos analistas.
Esses bons números, contudo, contrastam com os preços dos ativos no Brasil. A taxa de câmbio segue depreciada em comparação com as moedas de outros países; as taxas de juros de mercado estão elevadas e voláteis.
O Tesouro tem tido de pagar taxas de juros altas nos seus papéis de maior prazo para encontrar compradores.
No começo do ano, os bons números correntes da economia animaram diversos investidores a apostar no Brasil, acreditando que as taxas de juros iriam cair e que o câmbio não se depreciaria.
Essa aposta se revelou equivocada. Fundos e investidores tiveram perdas expressivas no primeiro semestre deste ano, como foi detalhado nesta coluna em 4 de julho.
A dicotomia entre os bons números correntes da economia, que vem desde o governo anterior, e o pessimismo que se revela nos preços dos ativos provoca o debate. Como o governo pode ter que pagar juros mais altos para financiar sua dívida e ao mesmo tempo os investidores perderem? O que justifica o pessimismo?
Em geral, imagina-se que juros mais altos, que custam recursos dos cofres públicos, resultem em maiores ganhos para o setor privado. Só que nem sempre é assim.
Os investidores detêm títulos do governo com taxa de juros estabelecidas no momento da sua emissão (prefixados), alguns com prazos de vencimento longos, nas próximas décadas. Quando as taxas de juros de mercado sobem, esses títulos se desvalorizam, resultando em perdas para seus detentores.
A decisão de comprar títulos públicos requer analisar tanto a taxa de juros oferecida pelo governo quanto a possibilidade de variação dessas taxas durante a vigência dessa dívida. Caso os investidores vendam esses títulos antes do seu vencimento e as taxas de juros de mercado tenham caído, o preço desses papéis sobe, aumentando os ganhos dos investidores.
Se, por outro lado, as taxas de juros aumentam, os títulos já adquiridos perdem valor, ainda mais se tiverem que ser vendidos antes do seu vencimento. Por essa razão, os compradores devem analisar as taxas de retorno oferecidas assim como o risco de flutuação dessas taxas no futuro.
Uma forma de os investidores se prevenirem de uma piora das expectativas é optarem por títulos chamados de pós-fixados, cuja taxa de retorno será determinada posteriormente em razão de indicadores de mercado, como inflação (NTN-B) ou juros (LFT).
E a participação das LFTs tem aumentado nos últimos tempos em detrimento das prefixadas, cuja taxa de retorno é definida no momento da emissão desses títulos pelo governo.
Os dados indicam que as expectativas pioraram no último ano, apesar dos bons dados correntes da economia. Uma das razões é o comportamento dos gastos públicos e da forma como o governo tenta equilibrar as suas finanças.
A despesa primária do governo, segundo a projeção oficial, deve crescer 2,9% acima da inflação em 2025, repetindo o padrão de aumento expressivo dos últimos anos.
O governo procura compensar esse aumento com o crescimento da arrecadação. Mas essa estratégia tem alguns problemas.
A maior arrecadação não tem sido suficiente para estabilizar a dívida pública, que segue aumentando significativamente.
Além disso, parte da maior arrecadação decorre de receitas temporárias. E, pela legislação vigente desde o fim do teto de gastos, esse aumento da receita implica aumento da despesa permanente, resultado da indexação dos gastos com saúde, educação, emendas parlamentares e Fundo Constitucional do DF.
Como o governo irá pagar esse aumento da despesa permanente no futuro? Novos aumentos da carga tributária? Teremos mais inflação?
Esse aumento na arrecadação não leva apenas ao crescimento dos gastos atrelados à receita. Dependendo dos tributos ampliados, parte da arrecadação terá que ser repartida com estados e municípios, reduzindo a receita líquida que resta para o Tesouro.
As frequentes mudanças nas regras tributárias têm contribuído para o aumento da incerteza sobre a viabilidade de investimentos no Brasil. A correção de distorções melhoraria o ambiente de negócios e reduziria a desigualdade de renda, desde que embasada por uma agenda clara e tecnicamente bem fundamentada, como ocorre na reforma da tributação sobre consumo.
Contudo, a sequência de medidas, por vezes atabalhoadas, e a criatividade na interpretação das normas aumentam os riscos para a produção e o investimento, prejudicando a sustentabilidade do crescimento da economia.
Além disso, o governo pouco detalha as metodologias e os dados que suportam suas estimativas das mudanças tributárias. Essas, inclusive, deveriam incluir análises de impacto sobre como as decisões privadas irão reagir às mudanças, que podem ir na contramão da arrecadação pretendida.
Apesar das elevadas taxas de juros e dos bons números do PIB, o Brasil pouco atrai investidores externos, o que resultou em um fluxo financeiro negativo para outros países de US$ 71,6 bilhões (R$ 401 bilhões) no período de 12 meses, que termina em setembro deste ano, segundo o Banco Central.
O resultado é o elevado custo de financiamento do setor público, que tem que pagar mais para atrair investidores. A dívida pública passou de pouco mais de 72% do PIB no fim de 2022 para mais de 78% do PIB em agosto deste ano. Pode passar de 84% no fim do mandato.
O governo deveria aproveitar o bom momento da economia para enfrentar os problemas que se avizinham. Caso contrário, podemos repetir o fracasso de uma década atrás.
No fim de 2012 e no começo de 2013, diversos economistas, como Armando Castelar, Fabio Giambiagi e Samuel Pessôa, alertavam que os bons indicadores correntes conviviam com distorções na política econômica e desequilíbrios fiscais que, caso não fossem enfrentados, poderiam resultar em uma grave crise.
Samuel e eu alertamos, na época, sobre o risco de incorrer em uma crise semelhante à que resultou da estratégia do governo Geisel.
O alerta foi ineficaz em 2013. Quem sabe, desta vez, seja diferente.
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