Março 19, 2025
Marina Mota enganou-nos a vida toda |  Antena 1

Marina Mota enganou-nos a vida toda | Antena 1

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1.

A Companhia de Teatro Praga viu nela o que conseguiu.

E Marina foi fotografada uma vez que se tivesse encarnado Catarina Eufémia, a Passionária ou A Mãe de Gorki.

Havia no seu rosto uma marca de terreno, de campos por lavrar, de revoluções eternamente adiadas, de derrotas milenares, de mulheres sempre puxadas para o escuro, para a invisibilidade, para o trabalho de lar, para o sexo sem prazer.

Naquela retrato de Carlos Pinto para as magníficas “Praga”, Marina Mota não era a que nos habituámos a ver nas revistas à portuguesa, nos programas de humor popular, nos fados das vielas e na memória de um Parque Mayer que não chegou a saber no seu tempo de ouro, o Parque Mayer de Belarmino e dos marinheiros à caça de engate e cerveja, das coristas e lantejoulas.

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2.

Retrato promocional de Marina Mota para o espetáculo “Insubmisso 2023!”: Carlos Pinto

Você sabe que retrato te falo?

Marina Mota parece outra ou logo nenhuma retrato ficou tão próxima do que é.

Vê-se o tempo que passou, vê-se a dificuldade do bairro onde nasceu, as correrias de moço em Alcântara, a sopa na mesa, a sobremesa nos dias especiais…

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Vê-se as casas de fado e o fumo.

Vemos também os prêmios que recebi em moço, dizia-se no bairro que ela seria grande, que um dia a todos levaria numa viagem de volta ao mundo com gente a venerá-la em todos os continentes.

3.

Marina Mota já tem 61 anos.

Há gente elitista que nunca quis zero com ela, que a desdenha, que não a deixa simbolizar em alguns lugares, que a trata uma vez que se ela fosse menor.

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Ouviu de tudo na vida.

Que a sua voz era perfeita para a súcia que vinha em passeio pela lugarejo, que o seu talento e improviso eram excelentes para trazer os bares ao teatro…

…ela nunca quis saber.

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Saiu à rua e foi abraçada.

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E fez o seu papel, risonha, espalhafatosa, ao serviço de um povo que sempre foi idólatra.

Namorada pelo povo, esquecida pelas elites.

4.

Cláudia Jardim e André Teodósio do Teatro Praga perceberam tudo.

Desafiaram-na a entrar numa Revista que não era muito uma Revista, desafiaram-na a ser mais próxima do que tem dentro.

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E ela aceitou ir com o que carrega, com todas as falhas e angústias.

Marina deixou de trovar, mas a voz sobressalta-se em cada tentativa de retorno.

Deixou de chegar escoltado a lar, mas o corpo sobressalta-se com cada hipótese de recomeço.

5.

Marina Mota é magnífica.

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Se fosse espanhol seria uma estrela de Almodóvar.

Mas ela é de Alcântara e de Alfama, do fado e do Parque Mayer, dos aplausos e dos abraços, das anedotas brejeiras e das lágrimas que lhe vemos em cada gargalhada com que nos distrai e engana.

Se eu fosse cenário ou realizador convidava-a para simbolizar um personagem mais trágico que conseguisse encontrar. Leva-a ao Teatro Dona Maria e ao São João, a Avignon e à América.

Levava-a a ser o que escondeu toda a vida.

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Desmascarava-a na sua patranha e ela poderia, finalmente, dar a volta ao mundo com as amigas que corriam com ela na puerícia difícil do bairro onde se cantava.

Texto e programa de Luís Osório

Ouça o “Postal do Dia” na Antena 1, de segunda a sexta-feira, pelas 18h50. Disponível posteriormente em Spotify, Apple Podcasts, Google Podcasts e RTP Play.

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