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Será que percebemos, hoje em dia, melhor os papéis atribuídos à mulher no cinema?
Com filmes feministas como a “Barbie”, como é que vamos aprender algo?
O que sentiu ao ver esse filme?
Não vi. Recuso-me. Para quê? Já sei o que é: publicidade da Mattel. O que quer que aquelas mulheres pensaram que estavam a fazer, talvez percebam que erraram quando é o Ryan Gosling que ganha os prémios todos. Tenho um problema com esta mensagem de que os EUA estão a enviar ao mundo. Quem fez esse filme tem bom coração. A Greta Gerwig tem tudo no sítio. Mas são todas bonitas. Não faz sentido, nem estou interessada. O único envolvimento que tenho com a Academia de de Artes e Ciências Cinematográficas é ajudar na seleção de cinema internacional. Há um grande problema na forma como são escolhidos. A realizadora romena de que falei, Elena Gregor, se os cineastas tivessem os dois filmes romenos a competir, diriam que era o Lua Azul a ganhar e ela teria uma chance de vencer Óscar. Mas o que enviaram é um filme como a “Barbie”: de uma mulher que agrada a um homem. É a única forma dessas mulheres conseguirem ter dinheiro para fazer o filme. Se se fizer um com assuntos femininos, vai ter menos orçamento.
A “Barbie” é uma aposta segura?
Completamente.
Mas as pessoas não sentiram isso. É um dos filmes mais rentáveis de sempre.
As pessoas pensam o que lhes é dito para pensar.
Por vezes, penso que o cinema está nesse lugar seguro.
Só porque não vemos tantos outros filmes. Costumo ver 15 internacionais do início ao fim para escolher pela Academia. Não consegui ver o “20 Dias de Mariupol”, cresci com imagens terríveis da guerra do Vietname. Não posso ver filmes com imagens de pessoas mortas a quem não foi pedida autorização para filmar. Tenho de assumir que não houve autorização para os filmar por parte da família.
Mas percebe o efeito.
Claro. E porque alguém o faria. Não o posso é ver, nem dizer se é bom ou mau. Sou atriz. Se estiver morta, estou a representar. É muito pessoal. Vi 14, quer apreciasse ou não. Não é sobre isso, é se é bom cinema.
Os atores sentem que querem fazer parte do jogo político nos dias de hoje. Durante entrevistas, com posts nas redes sociais. Nunca sentiu que podia acrescentar algo a esse diálogo?
Nunca quis fazer parte disso. Não era o meu desejo. Claro que foi bom quando ganhei a estatueta dourada mas não sabia o que fazer. Toda a gente sabia quem eu era e agora estou velha. Não sou mais a “puta nojenta” mas também não sou a Barbie. Sou eu. É uma boa qualidade de ser mais fora da caixa. Hollywood quer que tu sejas de um tipo, sigas um padrão, que sejamos todos iguais. Nunca foi assim o meu universo. Sou uma atriz de Nova Iorque, não sou uma estrela de cinema.
Mesmo com todos os movimentos culturais e sociais como o Me Too…
… O Me Too? O que é que isso vai fazer para mudar o mundo? É algo que as crianças dizem. Claro que agora podemos falar sobre certos assuntos, mas a conversa em contínuo é que importa. Tivemos esse movimento e agora está feito, vamos avançar. Um amigo disse-me que há um país qualquer em que vai haver igualdade entre homens e mulheres na política. Mas só durante dez anos. Porque é que acha que só fizeram durante esse período? Porque vai voltar tudo ao mesmo. Os homens brancos têm feito isto durante séculos. O homem branco oprimiu o resto do mundo porque tem medo dele. Não porque são inteligentes. Mas é tal como a Michelle Obama diz: são medíocres.

© Fest – Novos Realizadores, Novo Cinema
Os homens têm medo das mulheres?
Claro, crescem dentro de uma. Não há nenhum ser humano que tenha nascido de outra forma. Se nascerem num tubo de ensaio, talvez seja diferente.
Essa demonstração de força da mulher é bem visível no parto.
A sua mulher também gritou?
Bom, não como se vê nos filmes.
Exato, é uma treta completa. Mas os homens fazem filmes em que aterrorizam o nascimento e os partos, e assim as mulheres decidem fazer cesariana, porque o cinema fez com que tivessem medo sobre algo que é a coisa mais natural da vida. É indiferente do país de onde vem, o bebé vem do mesmo sítio.
Como atriz, o que mudou para melhor?
Foram-me oferecidos vários papeis de mulher triste, zangada, manipuladora e comecei finalmente a dizer que não queria. Dantes, aceitava tudo. Esse foi o presente, o de recusar. De tomar conta do que queria fazer, de não ter de esperar pelo agente para encontrar o trabalho. Conheço realizadores de todo o mundo e construo relações honestas de forma colaborativa para estar nesta arte que é o cinema.
Algo de positivo que tenha saído destes movimentos culturais e políticos?
Vamos ter a mesma corrida eleitoral que tivemos há uns anos. O que é que mudou? Talvez agora todas as mulheres que sejam abordadas ou abusadas por predadores possam dizer que não querem. Podem dizer que o que está a acontecer, está errado. A comunidade negra já não tem de explicar o racismo. O problema é de quem é racista. Já podem dizer que foram oprimidos e exigir o que querem. Há empoderamento aí. Nós, enquanto indivíduos, temos de melhorar o que saiu dessas lutas.
Para aceitar um próximo projeto, importa que algum realizador ou autor não tenha sido cancelado de certa forma por algum escândalo?
Depende da história totalmente.
Trabalharia outra vez com o Louis CK?
Sim, sim. Ele não é o Harvey Weistein. O Harvey tinha uma empresa, toda a gente sabia, pedia-lhes que mantivessem segredo. O Louis não é um predador. Sei que não fez com que as mulheres fossem ao seu apartamento, estava a ficar conhecido e elas não. Sei porque é que foram. E ele pedia-lhes para fazer o que veio relatado na imprensa, e, sim, sei que pedia porque trabalhei com ele. Sei quem é o Louis. Porque é que elas não saíram? Vá lá, foi isso que fiz a minha vida toda. Portanto, sim, depende. Foi como quando havia a lista negra dos comunistas durante a Guerra Fria. Era uma forma de controlar a informação. As pessoas dessa lista pensavam de forma diferente. Eram de esquerda. De repente, eram limpas do planeta. Porque é que não se pode ser de esquerda?
O Harvey Weinstein teve o que mereceu, então?
Não sei, foi preso, sim, mas continua a receber dinheiro de todos os seus filmes.
Há mais Harvey Weisteins em Hollywood?
Creio que sim. Absolutamente. Depende de quão grande for o crime que estás a cometer. Já ouvi histórias, há comportamentos que já não deveria ser possível ter em privado. Agora toda a gente está a descobrir o que se passa. Os seres humanos são horríveis, essa é a nossa natureza. É preciso lutar contra.
Uma vez disse que a televisão pode ser um trabalho frustrante para quase toda a gente. Ainda se sente assim?
Devo ter dito assim por causa de várias razões.
Foi em 2010.
As pessoas que mandam na televisão, quer seja uma cadeia de televisão ou uma plataforma de streaming, é que pagam o produto. Por exemplo, tenho admiração pelo Louis CK porque fez com que não houvesse controlo criativo sobre a série dele, a “Louie”. Com nomes grandes pode acontecer, claro, como o Steven Sodebergh, mas de resto, não. A interferência é um problema na televisão, do que podia ser para o que eles querem que seja. E , depois, a televisão passa rápido. Gosto de cinema independente, por exemplo, de gravar em duas semanas. Porque demorar seis semanas e gastar tantos recursos?
Está em paz com esta era de streaming?
É o que é. Demasiado conteúdo. Há muito mais mau conteúdo, claro. Tento ver o possível durante a noite. Agora, neste ponto, voltamos ao que víamos antigamente. Há muitos projetos a repetir padrões televisivos. A primeira temporada pode ser boa, mas a segunda é igual. A terceira pode ter ideias novas, de resto, é uma merda.

▲ Melissa em 1993, ano em que começou a série “Departamento de Homicídios”
Sygma via Getty Images
Li num artigo que a televisão americana está a voltar a modelos antigos, uma aposta forte em comédias, em sitcoms. Parece-lhe bem?
Não produzo televisão, portanto não sei. Quando se trabalha em televisão em vez de cinema, a escala é três pessoas que veem cinema, 3 mil que veem na televisão. Se queres enviar uma mensagem, a caixa pequena é uma ferramenta poderosa.
Conte-me lá uma boa história dos primeiros projetos em que entrou.
Quando saí da escola de representação e fui para Nova Iorque, tive muita sorte. Não estava interessada em sair e namorar. Queria trabalhar. Tive uma audição engraçada num teatro público. Fui sozinha, ofereceram-me um trabalho numa novela [novela]um Todos os meus filhos, ó mais baixo em televisão. Muitas atrizes teriam recusado, dito que eram verdadeiras atrizes, que não faziam novelas. Mas aceitei, não tinha nada. Depois do primeiro dia, pediram-me para voltar e assinar um contrato de três anos. Disseram-me para recusar, fazer só um ano. Ia de manhã, começava às cinco da manhã, acabava a meio da tarde, entrava no táxi, ou no metro, e ia fazer uma peça num teatro público. Aí senti que nunca mais seria tão feliz como fui naquela altura. Estava a fazer dinheiro na novela e estava num palco de Nova Iorque. Esta é a melhor história de que me recordo. Tenho muitas. Tenho trabalhado com gente incrível. Agora estou a tentar ser mais seletiva e ter mais cuidado.
Voltaria a entrar num blockbuster como entrou no Equalizador?
Se for convidada, sim. Mas estou há dez anos à espera para ter papéis oferecidos. Só me ofereceram porcaria, papéis pequenos. Como o que aconteceu na mini série da Max, Eu sei que isso é verdadeinterpretado pelo Mark Ruffalo. Só se vê o meu ombro. Trabalhei imenso nessa série. O livro que inspira é sobre ela!
Porque é que isso aconteceu?
Porque o Mark Ruffalo produziu.
Porquê dez anos?
É assim que Hollywood trabalha.
Porque a Melissa é assim?
Sim. Não sabem o que fazer comigo. O Steve Buschemi, que é como eu, teve trabalho durante muitos anos, por exemplo.
Como a Melissa?
Sim. Não parece uma pessoa normal, não é uma estrela de cinema, mas é um grande ator. A maior parte dos grandes atores são homens, mas isso não é culpa das mulheres. A sociedade é que impôs que fosse assim. Há pouco tempo estive à procura de atores e atrizes entre os 35 e os 40 anos. Quando procurava mulheres, a pesquisa só me dava “escolha as mulheres mais bonitas, veja as mais sexys”. Não quero sexy nem bonito. Quero uma atriz. Parece que a única forma de ter trabalho é aumentar as mamas e meter maquilhagem.
Essa realidade mantém-se até hoje?
Claro. No caso dos atores europeus, dos britânicos, o espectro é maior. Dou o exemplo da Olivia Colman, que é incrível mas Hollywood vai lixá-la.
Cor?
Sei que sim. Mas pode ser que seja inteligente. É uma mulher adulta.
O Óscar que ganhou é uma cruz que carrega?
De certa maneira, sim. Não me comparo a Jesus Cristo a carregar a cruz, mas sim. No outro dia, ao anunciarem-me, referiram esse prémio. Sei que o mundo ainda me vê assim, mas eu sou a Melissa Leo, ando a representar há mais de 40 anos. Isso é um feito.
Costumava costurar e fazer ski, ainda o faz?
Já não costuro tanto como antigamente. Na verdade, nunca fiz nada de jeito por isso é que parei. Quanto ao ski, também larguei. Há muitos anos que não faço. Praticava quando o meu filho estava na escola, costumava ir até às montanhas, eram aí uns quarenta minutos de minha casa. Depois, conheci um homem que ensinava ski, fizemos imenso durante anos. Ainda tenho o equipamento.
O que gosta de fazer para relaxar?
Ofereceram-me aqueles cartões de presente para ir até um estúdio de olaria. Quando era miúda, fazia. Era um estúdio muito bonito a 25 minutos de minha casa. Sou louca por cerâmica. Gosto de fazer coisas práticas.
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