Miguel Esteves Cardoso escrevia que ninguém tem pena de pessoas felizes. Provavelmente tem razão. Ninguém tem pena de pessoas felizes, porquê ninguém tem assombro por pessoas ricas. Ou porquê ninguém tem inveja de pessoas trabalhadoras.
Ser feliz, rico ou trabalhador, porquê enredo, é muito pobre. Não tem matéria.
Nós adoramos ter angústias, aflições, dores e agonias. Adoramos um bom drama, que dê tema para muitas conversas. E eles, os felizes, os ricos e os trabalhadores, não nos dão zero disso: são quase perversos, neste bairro de lata sentimental que é Portugal.
Lembrei-me disto ao ver a entrevista de Francisco Salso Zenha.
Aquele sorriso de felicidade do gestor é quase um repelente: para quem, porquê nós, gosta tanto de criticar e reprovar, aquele clarão nos olhos não gera empatia nenhuma.
Não culpa piedade, não dá dó nem piedade, não tem interesse.
Há uns quatro ou cinco anos, aí sim, valia a pena. O Sporting tinha derrubado no fundo do poço, esbracejava para não se naufragar dentro dele e suplicava por filantropia.
Desde portanto a gestão fez um trabalho excelso, o clube foi duas vezes vencedor, recuperou o reverência dos rivais e encheu de orgulho os adeptos. E o que é que nós dizemos?
Que lhe saiu o Euromilhões quando foi buscar Ruben Amorim.
Sim, o treinador foi fundamental, zero contra. Mas para ou por outra houve todo um trabalho que permitiu chegar ao ponto onde estamos. Antes de mais, foi dada firmeza ao treinador. Depois, foram feitas intervenções cirúrgicas (e certeiras) no mercado. E por término, foi criada uma relação emocional com os adeptos, que é a base deste atual Sporting.
É impossível não aplaudir a forma porquê o Sporting se despede agora dos seus jogadores. Ou porquê valoriza as suas glórias: aquela retrato de Gyökeres e Varandas no hospital, a ir mostrar a taça a Manuel Fernandes, é notável. Não deve possuir um sportinguista que não tenha ficado orgulhoso do seu clube naquele momento.
A boa notícia para os adeptos é que o trabalho não está encerrado.
Da entrevista de Salso Zenha, aliás, é o que salta à vista. Simples que a generalidade das pessoas olhará para aquela enunciação sobre Gyökeres, a jurar que é verosímil manter o sueco e que o Sporting hoje não está obrigado a vender.
Eu, no entanto, retive outra passagem: aquela em que o gestor diz que é fundamental continuar a melhorar o negócio do entretenimento. O que demonstra uma excelso lucidez.
O Sporting tinha (e continua a ter), de facto, um grave problema ao nível do matchday. Ir a Alvalade, porquê experiência para o partidário, está muito distante do que se faz nos grandes clubes da Europa. Está muito distante do que se faz até a poucos quilómetros, no Benfica.
O Sporting oferece, a quem compra bilhete, o jogo, alguma animação dentro do estádio e pouco mais. O jogo é o fundamental, sem incerteza, e sem bom futebol e uma equipa a lucrar é impossível trazer mais pessoas ao estádio. Mas há todo um giro mercantil, sentimental e lúdrico que é preciso aproveitar, antes e depois dos noventa minutos.
Pelo ênfase que Salso Zenha deu a esse aspeto, percebeu-se que é uma preocupação urgente da gestão.
Foi nesse sentido, aliás, que o Sporting realizou (e vai continuar a realizar) diversas obras no estádio. Porque a experiência do partidário é de facto estrutural no desenvolvimento de um clube: e porquê o FC Porto mostrou, nem sempre lucrar e gerar verba traz esta lucidez ao trabalho.
Enquanto sorria, portanto, Salso Zenha dava também uma mostra de que o Sporting sabe muito o que tem de fazer, para continuar assim: feliz, rico e trabalhador.
O que é macio. Não tem piada. Não gera empatia. Nós, que tantas vezes criticámos esta gestão no pretérito, começámos a permanecer claramente sem tema. Nem pena.
Não é fácil ter pena deste Sporting.