Nuno Júdice morreu oriente domingo, vítima de cancro. A notícia foi confirmada ao PÚBLICO por natividade próxima da família. O poeta – que também foi ensaísta, romancista e praticou uma multiplicidade de géneros literários, para além de ter sido professor universitário e, desde há alguns anos, diretor da revista Conversa/Letras – nasceu em 1949, na Mexilhoeira Grande, Portimão, no Algarve.
A sua estreia porquê poeta deu-se em 1972, com um livro que tinha um título programático, A Noção de Poema. Era um livro que, logo no título, indicava uma atitude poética muito auto-reflexiva, integrando as próprias questões relativas à verso. Havia nesse livro uma atitude próxima de uma neo-vanguarda, de que o poeta se distanciará. Do que ele nunca se distanciou foi de uma relação muito potente com a história literária, muito principalmente com o romantismo. Foi, por isso, um poeta impregnado de literatura e verso, às vezes até um limite em que o poético se manifesta em estado de regularidade.
Sendo Nuno Júdice um nome fundamental da sua geração, a sua obra mais recente esteve longe de obter o consenso junto da mais novidade geração de poetas. Atraiu, por isso, algumas manifestações polêmicas. Entre os poetas contemporâneos portugueses, Júdice é um dos mais traduzidos, tendo realizado uma notável espalhamento no estrangeiro.
Da sua extensíssima obra poética, aquela que será gravada porquê um marco importante na verso portuguesa não é certamente a verso exasperada dos seus últimos livros, mas aquela, muito mais impessoal, que pode ser sintetizada num aforismo que surge num dos seus versos: “ A verso é o teatro”. Um teatro de sombras e de máscaras (retomando a tradição modernista da verso), num jogo que implicava a sua própria sátira. Porquê que se situando no exterior do seu oração, com uma atitude às vezes lúdica, o poeta assume o lugar de uma terceira pessoa que se inventa a si mesma e assiste ao espetáculo da sua própria mistificação. Por isso, essa verso mais antiga de Nuno Júdice era habitada por uma aura de esquina iluminado (muita vezes com uma voz eminentemente elegíaca e muito devedora do romantismo) que procura a essencialidade em qualquer contingência e a atualidade em cada momento. Da referência romântica guardavam os seus poemas um tom, uma música, um sentimento privado da natureza.
Na sua obra mais recente, o que triunfa é outra coisa. Sem expulsar completamente a tendência reflexiva, ela se tornou muito poroso a investimentos de outra ordem: subjetivos, ficcionais, longe da impessoalidade que marcou a sua primeira tempo, admitindo aliás uma muito maior fenda à situação, ao incidente inopino, a uma verso muito menos marcado pela tensão interna e pelo questionamento de si mesma.
A história da verso
A obra completa de Nuno Júdice é incluída por quase cinquenta títulos de verso, duas coleções de livros de ficção, mais de uma dezena de livros de experimento literário e ainda quatro livros de teatro. Foi um dos escritores mais prolíficos da literatura portuguesa contemporânea – a sua estreia com A Noção de Poema é um marco importante na verso portuguesa da segunda metade do século XX. Três anos depois, O Mecanismo Romântico da Fragmentação (1975) prolongava de visível modo a mesma atitude poética auto-reflexiva, que adquire uma dimensão muito mais elegíaca e em diálogo com a tradição romântica em títulos porquê Um Quina na Espessura do Tempo (1992), Reflexão Sobre Ruínas (1995, Prémio APE) e O Movimento do Mundo (1996).
O seu ensaísmo literário foi publicado em 1986 com A Era de Orpheu, livro no qual a verso moderna e a história da verso ocupam o lugar principal. A questão da sátira literária e as condições do seu treino mereceram-lhe uma mediação num livro de 2010, O ABC da Sátira. A formação universitária de Nuno Júdice (Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa) e a longa experiência de professor de literatura francesa na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Novidade de Lisboa não são zero estranhos às suas revelações poéticas e às suas incursões no campo da teoria literária.
Entre 1997 e 2004, o poeta e ensaísta exerceu ainda funções diplomáticas em Paris (mentor cultural da Embaixada de Portugal e diretor do Instituto Camões, incumbência no qual substituiu Eduardo Prado Coelho). Esse lugar permitiu-lhe um contato alargado com importantes poetas contemporâneos, de muitas latitudes: a sua verso alcançou um volta cosmopolita e foi amplamente traduzida. Uma das traduções mais significativas foi uma selecta publicada na prestigiada coleção Trovada editora Gallimard.
Além de mentor cultural, Nuno Júdice comissariou ainda a dimensão de Literatura da Exposição Universal de Sevilha, em 1992, e da Feira do Livro de Frankfurt, que em 1997 foi dedicada a Portugal. Para além de ter sido, desde 2009, diretor da revista Conversa/Letrasdepois de ter dirigido, entre 1996 e 1999, a revista Tabacaria, editado pela Vivenda Fernando Pessoa. Também pelas funções que exerceu no domínio da política cultural, Nuno Júdice tornou-se uma figura importante não somente pela sua obra literária.
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