*Notícia publicada originalmente a 1 de maio de 2020
Depois do 25 de Abril de 1974 a liberdade começou a ser festejada um pouco por todo o país. Abrantes não fugiu à regra. Se o dia 26 ainda foi um momento de as pessoas de refazerem daquilo que se tinha pretérito em Lisboa, a proximidade do 1 de Maio, Dia do Trabalhador, foi assinalado uma vez que o primeiro dia das grandes comemorações publicas.
Cedo começaram a ser desenhadas manifestações públicas de regozijo pelo resultado do movimento dos “Capitães de Abril”.
Com essas movimentações pelo país um grupo de estudantes do Liceu Vernáculo de Abrantes, que já tinham tentado fabricar um movimento para a geração de uma associação de estudantes, avançou com a teoria de comemorar nascente dia.
Tiveram conhecimento de que, por Abrantes nos anos do regime que acabara de tombar, os opositores assinalavam o Dia do Trabalhador com um jantar. Porque os ajuntamentos públicos não eram permitidos.
João Geirinhas Rocha era um desses jovens. Tinha 18 anos e estava a fazer uma disciplina do 12.º ano. Por isso tinha qualquer tempo livre. Procedente de Tramagal, vinha de uma família conservadora, católica e, até patente ponto, apoiante do idoso regime. “Somente apoiante, pois nunca participaram ativamente na vida política da profundeza”, revela João Geirinhas Rocha que [risos] diz logo a seguir que era o rebelde da família. “Nunca me apoiaram naquilo que andava a fazer, mas também nunca me proibiram”, confessa revelando que na profundeza pensava, uma vez que outros, que era o momento de mudar o mundo e que a Revolução iria permitir isso mesmo.
Hoje recorda esse pensamento e as convicções da profundeza, porque todos acreditavam que as coisas iam mudar. “E algumas mudaram”, diz aquele que em Abrantes avançou para a organização da revelação do 1.º de Maio.
Recuando aos dias depois o 25 de Abril, foram falar com as pessoas que comemoravam o Dia do Trabalhador. E levantaram uma questão: porquê fazer um jantar, uma vez que faziam antes, se agora eram livres de fazer uma revelação pública?
A teoria dos jovens foi acatada, mas havia uma incerteza nos “opositores” e autarcas: uma vez que fazer chegar a informação a todo o concelho? Na profundeza não havia as formas rápidas de legar. João Geirinhas Rocha revelou que disse logo ali que tinha a solução. “Tínhamos a melhor rede de informação da profundeza. Os alunos do Liceu que residiam em todos os cantos do concelho de Abrantes. Era simples. Eles seriam os mensageiros que iriam levar os convites para as suas terras”, explica o organizador da revelação do 1.º de Maio, muito longe de saber que aquela terá sido, quiçá, a maior revelação popular que Abrantes alguma vez conheceu. Excluindo, evidente, concertos das Festas da Cidade.
Uma vez que tiveram a concordância dos “responsáveis de Abrantes” depressa avançaram para todo o processo de logística, que não era fácil. Explica que chegaram ao Liceu e pediram ao reitor, Professor João Pequito, autorização e ajuda para o repto.
Com o base do reitor entraram na reprografia da escola e começaram a imprimir os panfletos para espalhar pelo concelho. “Fizemos tudo em stencil, aquelas folhas onde os professores imprimiam os pontos [testes]”, diz João acrescido que foram “milhares de panfletos”.
Depois todos os alunos “incluindo os do primeiro ano” levaram os “convites” para todos os cantos do concelho.
João Geirinhas Rocha explica que nunca pensou muito no número de pessoas que pretendiam juntar. Somente queriam festejar a Liberdade. E soube dias depois da revelação que alguns oficiais do Quartel de Abrantes foram perguntar aos responsáveis da cidade quem eram os organizadores da revelação. “Tinham terror que alguma coisa desse para o torto”, revela e atira logo de seguida que “disseram-lhes que éramos uns bons rapazes, que não ia ter problemas”. Mas refere que só teve conhecimento dessa “incerteza” dias depois da revelação.
Naquela quarta-feira o Largo da Feira [atual Largo 1.º de Maio ou largo do Tribunal]que era o sítio onde chegavam os autocarros de todos os cantos do concelho encheu-se de pessoas. Foi do Tramagal que chegaram os grupos maiores. A freguesia mais industrial do concelho e onde havia [e há] tradições da comemoração do Dia do Trabalhador fez-se simbolizar com muita gente. João Geirinhas Rocha diz que se juntaram muitas pessoas que começaram a encher as ruas da cidade.
As pessoas de Abrantes não estavam a ir para na rua. Mas, uma vez que contou Helena Bandos, “ao perceberem as movimentações aderiram e ajudaram a encher as ruas da cidade”.
Os manifestantes subiram a Rua do Montepio, em direção ao Jardim da República e depois em direção à Terreiro do Município.
Foi ali que subiu à varanda para discursar. “Fui escolhido para discursar em representação dos estudantes”, diz João esclarecendo que não pensou nem preparou o exposição. “Falei de improviso e exclusivamente tinha a nota dos colegas para pedir o retorno dos colegas exilados”, recorda e adianta que naquele dia discursaram várias pessoas de Abrantes, o comandante do Quartel da tropa, o Dr. Correia Semedo [que viria a ser o presidente da comissão administrativa da Câmara de Abrantes que haveria de ser constituída no mês de maio] e o Jorge Lacão. Sabe, já andava em Coimbra e tinha vindo na véspera e quis discursar. Começou ali a sua curso política”, graceja Geirinhas Rocha que quando indagado sobre uma eventual curso política respondeu com bom humor: “Tive a curso política mais intensa que qualquer político já teve. Comecei no dia 1 de maio de 74 e terminei no dia 1 de maio de 74”.
Depois disso não enveredou por essas áreas, não escondendo que tinha ideologias de esquerda. Mas nunca se interessou pela política nem pelos partidos.
Há uma retrato muito pessoal para o João. Ele está com os cotovelos assentes no gradeamento da varanda da Câmara a olhar para a povaréu. “No que é que pensava? Olhe, se calhar não acreditava que tivéssemos conseguido juntar tanta gente em Abrantes. Dizem que terão sido 12 milénio. Não sei. Era muita gente”, revela aquele que foi um dos organizadores da revelação. Depois ali soubesse-se que alguns militares abriram a possibilidade de as pessoas poderem ir ao quartel. E o povo não pensou duas vezes. Depois de cantarem a “Portuguesa” e o “Grândola Vila Morena” desceram a cidade e foram para o Quartel.
As pessoas “iam felizes. Abraçavam-se, gritavam, cantavam”. Finalmente, na semana anterior, sete ou oito dias antes era impensável sonhar, sequer, com o que se estava a passar naquele dia.
A revelação depois de encher a Terreiro do Município encheu o regimento militar de Abrantes. Os jovens do Liceu conseguiram o que queriam, festejar o 1.º de Maio do novo tempo na rua. Em sarau. Em liberdade.
João Geirinhas Rocha não se arrepende em zero daquelas ações. A vida quis que saísse de Abrantes, mas de cada vez que vem à sua terreno, de cada vez que passa no núcleo histórico, recorda aquele momento que foto mostra: O olhar do jovem sobre a povaréu na rua.
Depois, ainda em maio, viriam a ser escolhidos os elementos da Percentagem Administrativa da Câmara Municipal de Abrantes: Correia Semedo, José Vasco, José “Bioucas”, Afonso Campante, Manuel Dias, João Camarinhas e Perdão Vieira.
Mas aquela quarta-feira, 1 de maio de 1974, ficou na memória daqueles que a viveram e vai perdurar pelas imagens registadas e que ficam para a história. Foi, quiçá, a revelação que mais pessoas juntou em Abrantes. Foi assim, há 46 anos, o primeiro grande festejo da Liberdade. E João Geirinhas Rocha foi o jovem de 18 anos que abraçou essa vontade dos jovens de Abrantes: Festejar a Liberdade na rua!
Jerónimo Belo Jorge
Fotografias (Abrantes 1 maio 1974) cedidas pelo Registo Municipal de Abrantes “Eduardo Campos”