Março 19, 2025
O Ferrari da abetarda e o iate do priolo | Opinião

O Ferrari da abetarda e o iate do priolo | Opinião

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Novamente em eleições, é preocupante uma vez que candidatos, e partidos, pouco abordam as questões da Natureza. O “Envolvente” aparece cá e ali, com o verdejante a matizar as frases, mas esse “Envolvente” é a Vontade, com as renováveis, transição energética e neutralidade de carbono à cabeça. Por vezes alguma “sustentabilidade” para as empresas e digitalização. Parece que a Natureza está ligada a baterias ou a mandar vir comida nas aplicativos.

Leste desligar da Natureza e a sua carência nas discussões e debates repete-se de eleição para eleição com revérbero evidente nos programas de governo e na relevância dada às diferentes políticas. Mesmo que as crises de biodiversidade e climática sejam uma evidência diária…

Com a situação mundial ainda se fosso mais levante irrealista fosso que muitos promovem entre “nós” e a “natureza”. Sendo essa “natureza” os bichos e os matos que existem fora das cidades, nos campos que vemos no verão a caminho das praias.

O betão e o pez, e os TikToks e YouTubes, são revérbero de uma sociedade urbana, indiferente e claramente desconhecedora do que é a Natureza. Imaginam uma “natureza” difusa de TV e quase irrelevante no dia-a-dia. E isso não podia ser mais inexacto…

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Discursos técnicos à secção, nós somos Natureza, a Natureza somos nós e tudo o mais, existe em todo o lado e a sua (nossa) evolução depende do comportamento de todos os elementos que dela fazem secção. Seja o ser humano, uma formiga ou um vírus. A Natureza está no ar que respiramos e poluímos, mas que podemos purificar. Está na chuva que bebemos e usamos para produzir mantimentos, e que gerimos tão mal, mas que podemos gerir melhor. Está sempre presente: porque onde estiver um humano está Natureza!

Porquê seres racionais que somos, conseguimos ter uma capacidade enorme de edificar, ou destruir, o nosso meio envolvente e mesmo o nosso próprio planeta. A indiferença do que é a Natureza e a sua relevância fundamental para a nossa existência transforma-se quase em rivalidade e confronto quando se fala em políticas de conservação e restauro da natureza. Precisamos de ambientes saudáveis para sobrevivermos, mas ao falar em investimento nesse sector são muitos que dizem ser “secundário” ou quase um pertinácia dos “ambientalistas”, uma vez que se as matérias-primas que alimentam a economia e asseguram secção do nosso bem-estar caíssem do firmamento…

Precisamos de chuva, solo, ar e biodiversidade mas qualquer euro para manter ou restaurar esses valores é criticado. Ou logo contabilizamos medidas avulsas uma vez que bem-estar de animais domésticos, ou podas de jardins uma vez que investimento na “natureza” e já se faz o verosímil…

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Investir na Natureza é seguir espécies e habitats, remover vegetalidade exóticas e plantar nativas, remover barreiras fluviais obsoletas, cooperar com agricultores/pescadores/produtores florestais para adotarem melhores práticas e manterem o rendimento. E também legar o que se faz, formar jovens e adultos, ter reuniões com autoridades, produzir conhecimento técnico e científico, e muito mais.

Investir na Natureza, do ponto de vista poupado e social é tão válido uma vez que qualquer outro sector. Cria tarefa, dinamiza economia em zonas mais rurais e desfavorecidas, ajuda a fixar população e capta pessoas qualificadas, atrai visibilidade e visitantes, capta geralmente financiamento europeu e privado! As despesas de uma entidade de conservação da natureza são parecidas com uma empresa agrícola ou de construção: salários, viaturas e gasolinas, ferramentas diversas, refeições, alguns equipamentos específicos uma vez que computadores ou sensores. E gera impostos! Uma boa secção do investimento vai directamente para o Estado (e para todos) através de IVA e IRS.

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Uma estudo de 12 projetos do programa europeu LIFE desenvolvidos por várias associações ambientais portuguesas entre 2010 e 2020 (com auditorias técnicas e financeiras a nível pátrio e europeu) resultou em números esclarecedores. Os projetos permitiram um investimento de 24,4M euros na gestão da Rede Natureza 2000; 7,7M euros (31,6%) tiveram origem pátrio, 5,1M euros garantidos por organismos do Estado e Fundo Ambiental, e os restantes 2,6M euros suportados pelas associações e outras entidades privadas.

O Estado recuperou em impostos e contribuições sociais 6,5M euros (26,9% do investimento totalidade) ou seja, obteve um valor positivo líquido de 1,4M euros, porque não suportou a totalidade do cofinanciamento pátrio. Por cada milhão de euros que o Estado invista na conservação da natureza, o programa LIFE coloca pelo menos mais 2,1 milhões, e o Estado recupera 800 milénio euros em impostos e contribuições sociais. Com um investimento líquido de somente 200 milénio euros nos projetos LIFE geridos por ONGAs, o Estado pode gerar mais de 3 milhões de euros para a conservação da natureza e dinamização da economia sítio.

Isto são os impactos económicos directos, para além dos ambientais, a que se devem juntar muitos outros indirectos e mais difíceis de contabilizar. Dinamizar o turismo de Natureza com as abetardas de Castro Verdejante, o priolo em São Miguel, ou o festival ObservArrivas em Trás-os-Montes. Formação em áreas uma vez que a ecologia, gestão hídrica, boas práticas agrícolas e florestais. A valorização e divulgação pátrio e internacional de territórios onde o lobo, o lince e a águia imperial (ainda) continuam a viver. A promoção de produtos locais com valor ecológico seja de madeira certificada ou de pastorícia extensiva. É muito diverso o retorno destes investimentos.

No entanto é “fácil” gastar um milhão a fazer um prédio que nem chega a ser utilizado só para “aproveitar os fundos”, sem qualquer retorno ulterior, enquanto para obter suporte para “edificar” a Natureza que somos nós, trava-se uma luta jacente e desgastante, rapidamente suplantada por um protesto ou vozes mais altas.

Em 20 anos de conservação nunca vi uma ave levar uma nota no ponta ou alguém enterrar moedas na serra. Nunca vi um priolo de iate ou uma abetarda num Ferrari, e apesar de se falar de macacos milionários, todo o verba investido em conservação da natureza é gasto com as pessoas e na verdade, para as pessoas. O nosso voto pode ser um tijolo “verdejante” para edificar um horizonte mais sustentável ou um machado para derrubar a Natureza que nos mantém. Pensem nisso nesta eleições.



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