Um dos temas que balizam a trilogia de livros iniciada com O Problema dos Três Corpos é uma dicotomia entre o individual e o coletivo. Mais especificamente, analise uma vez que se imbui os cidadãos de iniciativa e responsabilidade individual numa sociedade uma vez que a chinesa, em que o espírito da coletividade e o pensamento unificado foram, por décadas, o monoprojeto da Revolução Cultural do maoísmo. A série americana O Problema dos 3 Corpos faz escolhas de adaptação que preservam essa temática, ainda que a expressem de um jeito próprio.
Os livros de Cixin Liu recorremos a algumas conveniências do possibilidade para conectar personagens muito diferentes em torno de uma mesma trama conspiratória. Na decupagem que os produtores David Benioff e DB Weiss comandam na série da Netflixos cinco primeiros episódios dão conta do volume um, enquanto os episódios seis a oito tratam uma vez que orgasmo (e gancho para a segunda temporada) o início da subtrama das Barreiras que compõem A Floresta Sombriasegundo livro da trilogia.
Muito por conta desse esforço de condensar os livros, o que ocorre na série de TV é que a conveniência dos acasos se intensifica. Uma variedade de personagens dos núcleos científicos, políticos e militares é reduzida para se concentrar em uma dúzia de coprotagonistas. Uma personagem chega a comentar, ironicamente, a extrema coincidência que é deparar com o namorado de um colega sendo “promovido” a figura importante na trama. É fácil questionar essas conveniências uma vez que uma solução imediatista de roteiro, da mesma forma que é verosímil tutorar: o foco e a ligeireza dos encontros e das viradas tornam O Problema dos 3 Corpos uma narrativa que flui de um fôlego só ao longo de seus oito episódios.
Para além desse raciocínio de valor, o caso é que organize uma temporada toda tendo as Barreiras uma vez que ponto final acaba dando aos acasos um crescendo próprio e um propósito. A trama se assemelha a uma loteria de destinos uma vez que se estivéssemos diante de um elenco de cidadãos anônimos premiados com os bilhetes dourados de Willy Wonka – ao contrário de visitar a fábrica de chocolates, porém, eles são íntimos a salvar o mundo por meio do livre -arbítrio.
Não convém explicar cá o que são as Barreiras, para não cometer spoilers. O que vale proferir é que existe um raciocínio por trás da escolha das Barreiras (o personagem de Luo Ji, apresentado só no segundo livro, não está na versão americana), não se trata unicamente de aleatoriedade, e esses motivos fazem segmento do desenrolar do mistério. Na prática, porém, o que acontece na série é que encerra a primeira temporada com o expediente das Barreiras, embora pareça anticlimático, serve muito muito para integrar os acasos à trama de uma maneira mais orgânica. O paradoxal é peça médio disso: a impossibilidade de perjurar da missão de salvar o mundo, uma situação absurda meio Jornada do Herói, meio Kafka. As coincidências eram um paradoxal no início, e o paradoxal se repetia intensificado e justificado no final.
Mesmo que uma série de TV tire o foco da coletividade maoísta ao internacionalizar a trama, portanto, a origem se mantém. Só que seu observação sobre livre-arbítrio e individualidade se torna um observação metalinguístico sobre o próprio processo de adequar a prosa literária num roteiro protegido estruturado. Os personagens de O Problema dos 3 Corpos continuamos às voltas com o dilema de deixar de ser unicamente figurantes no grande esquema das coisas, para se tornarem protagonistas de sua própria história porque a canetada de Deus Ex Machina de alguma entidade cósmica assim o definidora.
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