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“Não tem luz, não tem água, não tem comida, não tem telefone, não tem carro. O que fazemos?” Ramon Gonzalez pergunta, mas não espera uma resposta. Dedos cobertos de argila seca deslizam pela tela do celular para mostrar o armazém de ferramentas e construção (dois andares e um projeto vitalício) que foi consumido pelas enchentes.
Está com a roupa tingida, o olhar cansado. “Perdi tudo”, diz ao Observador enquanto escoa as águas barrentas da casa dos sogros. “Entre as duas famílias perdemos oito carros.” A mulher acena, ao mesmo tempo em que afasta a água escurecida para a rua.
Há um contraste entre o silêncio da noite e o barulho do dia na Comunidade Valenciana que continua vendo as cifras de mortos aumentando a cada minuto à conta da DANA (sigla de Depressão isolada em níveis elevados), a tempestade que atingiu a região. As cheias em Espanha mataram já mais de 160 pessoas, e quase metade foi no município de Paiporta, na região de Valência.
Os sons se misturam. Uma retroescavadeira desbrava a lama e revela algo próximo do que um dia foi o chão. Uma criança chapinha com as mãos na textura sedosa do material. Nas sacadas e janelas, vizinhos comentam os destroços que observam com vista privilegiada.
“O que vocês estão vendo está igual desde que a água chegou aqui há dois dias”, diz Nuria Lajusticia, 38. “Há policiais aqui às voltas, mas aparentemente eles estão apenas fazendo rondas. Não temos água, nem luz, nem cobertura…”, enumera. Junto com o marido, elas assumem temer os próximos dias. “Tudo o que tínhamos apodreceu. O que tínhamos congelado descongelou porque não temos luz.” Eles não têm ideia do que está sendo dito ou escrito sobre o lugar onde vivem. “Não temos televisão, não temos internet, não temos nada.” Grávida de 18 semanas, Lajusticia se preocupa, mas não tem condições de entrar em contato com o médico que a acompanha.
Na mesma rua, uma mulher mais velha, de farta cabeleira branca, avança sobre a lama com uma vara de caminhada. À pergunta “para onde vai?”, responde: “Para o fim do mundo.” Ele esboça um sorriso e desvenda o mistério: “Me dizem que tem água no poliesportivo.”
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