A associação SOS Racismo defendeu esta sexta-feira que o presidente da Câmara da República, José Pedro Aguiar-Branco, não tem condições para continuar no missão, depois de ter afirmado que o uso de linguagem que deprecia determinada etnia é admissível pela liberdade de frase.
Em expedido, a SOS Racismo “apela ao Ministério Público que instaure os procedimentos legalmente previstos para que as condutas em motivo sejam devidamente investigadas”, citando o previsto no Código Penal, no item 240.º, no que diz saudação ao delito de discriminação e incitamento ao ódio.
“A liberdade de frase não pode, nunca, servir de biombo para legitimar o racismo, nem pode, nunca, estar supra da pundonor humana. O presidente da Câmara da República prestou um péssimo serviço à democracia: legitimou que a Câmara da República possa ser utilizada uma vez que um instrumento para discursos de ódio e práticas criminosas”, lê-se no expedido.
O documento defende ainda que a atitude de Aguiar-Branco “acabou não só por legitimar todo o oração de ódio da extrema-direita, uma vez que servirá para o amplificar” e que “é função do presidente da Câmara da República tutelar a Constituição, a lei e os direitos fundamentais de todas as pessoas — sobretudo o recta à pundonor humana”.
Esta sexta-feira, o líder do Chega, André Ventura, questionou no Parlamento os dez anos previstos para a construção do novo aeroporto, alegando que “podemos ser muito melhores do que os turcos, os chineses, os albaneses, vamos ter um aeroporto em cinco anos”.
“Os turcos não são propriamente conhecidos por serem o povo mais trabalhador do mundo”, disse, denunciando uma visão estereotipada e contrária à verdade. Na verdade, os dados mais recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Poupado (OCDE) mostram que os profissionais na Turquia trabalham mais horas e atingem níveis de produtividade mais elevados do que em Portugal.
Quando, em reacção aos comentários de André Ventura, a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, pediu a termo para questionar se “se uma determinada bancada disser que uma determinada raça ou etnia é mais burra ou preguiçosa também pode”, ao que Aguiar-Branco respondeu: “No meu entender, pode.”
“A liberdade de frase está constitucionalmente consagrada. A avaliação do oração político que seja feita cá nesta vivenda será feita pelo povo em eleições”, respondeu o presidente da Câmara da República.
No expedido divulgado, a SOS Racismo defende que André Ventura cometeu um delito de discriminação e incitamento ao ódio, acrescentando que “quando alguém afirma que ‘uma determinada raça ou determinada etnia é mais burra, mais preguiçosa ou menos digna’, também estará a praticar o mesmo delito”.
A associação sublinha o momento em que “proliferam narrativas racistas e xenófobas e que cresce um clima de elevadíssima hostilidade e criminalização das pessoas migrantes e racializadas” e pede “o mais saliente rigor e responsabilidade política” nas intervenções, acrescentando que o Parlamento, enquanto representante da democracia, “deve ser exemplo da qualidade cívica”.
A SOS Racismo defende ainda que “não é admissível” que no Parlamento se retratem nacionalidades e origens “à luz de representações depreciativas, racistas e xenófobas”.
“Da mesma forma, não pode aceitar-se que na Câmara da República se profiram declarações que agridem e atentam contra direitos à honra e pundonor e que, supra de tudo, alimentam representações sociais que desprotegem e colocam pessoas em riscos concretos de violência e discriminação no seu quotidiano”, acrescenta a associação anti-racista.
Já durante a tarde, em declarações aos jornalistas, Aguiar-Branco defendeu que não lhe compete repreender as posições ou opiniões de deputados, remetendo para o Ministério Público uma eventual responsabilização criminal do oração parlamentar.