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Os americanos têm costas largas, ou não inventaram o XXL. Certamente não há povo mais idolatrado nem vilipendiado. Até chateia. Só os americanos se acham tão excepcionais que basta aplicar o adjetivo “americano” para, imediatamente, fazer um título, afirmar uma essência. “Beleza Americana”, “Ficção Americana”, “Gigolô Americano”, “Gangster Americano”, “Sniper Americano” – às vezes, simplemente, “O Americano”. Experimente com outras nacionalidades: “Beleza Eslovaca”, “Gigolo Peruano”, “Psicopata Holandês”. Não dá. Não pega. Há muito tempo a americanidade nem é bem uma nacionalidade, mas uma marca. A do “sonho americano”. Do “modo de vida americano”. Mas o mais estranho é que não há, certamente, marca nacional mais universal. Ou porque a América foi feita por gente de toda a parte ou porque já chegou a toda a parte e agora encontra o seu limite.
Todos somos americanos. Numa lista de segundas nacionalidades, de país acerca do qual mais sabemos a seguir ao nosso (e, às vezes, talvez mais do que isso), a América ganharia sempre. Fácil. Os europeus acompanham com mais interesse as eleições americanas do que as europeias – e isso talvez seja o suficiente para explicar boa parte dos tempos difíceis que nos aguardam. Nem nos preocupamos em dizer “os Estados Unidos de”. Desbaratamos, descaradamente, o nome de um continente inteiro em um só país. A “América” é uma ideia, da qual todos fazemos parte. Ou fazíamos, até ontem.
Nos próximos tempos, vamos continuar oscilando entre a perplexidade e a busca por explicações para os motivos pelos quais os americanos decidiram dar novamente, e desta vez, de forma esmagadora, o poder a Donald Trump. Mas, por mais voltas que se dêem ou mais imobilizados que possamos ficar na recusa em aceitar uma resposta, é difícil escapar de uma ideia: os americanos votaram em Trump porque estão fartos de imigrantes. É ouvir a reação da turba toda vez que fala em recuperar o controle das fronteiras ou em deportações em massa. E não vale dizer que são só os malucos que vão aos comícios; é a ampla maioria do país que votou nisso apesar dos malucos e apesar dos comícios.
Como pode a América estar farta de imigrantes se, como nenhum outro país, foi feita por eles? E não foi há 200 anos; é agora: Elon Musk é um imigrante. Melania Trump é imigrante. Donald Trump é filho de uma imigrante. Porque, provavelmente, o problema não é americano. Porque, mais uma vez, ser “americano” não é mais do que ser igual a outro humano qualquer. Porque, como se vai tristemente vendo por toda a parte, um pouco por todo o mundo toda a gente acha que o problema são os outros.
Assim que passamos pela porta, a fechamos atrás de nós. Latinos, asiáticos, árabes, africanos – a partir do momento em que ganhamos uma nacionalidade, nos tornamos americanos. Vamos nos vestir à americana, falar à americana, olhar de cima para baixo à americana. Somos empáticos com o imigrante, o estranho, o alienígena, o outro, quando ele não nos ameaça. Quando até nos faz sentir mais humanos, melhores, mais ecumênicos, mais compreensivos, mais civilizados. Quando podemos estender a mão para você. Quando temos de sobra para dividir. Mas, quando não temos ou tememos não ter, então sobra a desconfiança: o que esse forasteiro quer à nossa porta? Nossa vida? Nossa casa? Nosso país?
Como se voltou a eleger um homem que ganhou da primeira vez com interferência russa? Que, da segunda, tentou manipular os resultados da eleição? Que incitou a revolta popular para se tentar segurar no poder à força? Que todos os antigos colaboradores abandonaram e denunciaram como incapaz para a função? Porque, provavelmente, ninguém está a pensar muito nisso. Os estudos mostram que os eleitores estavam preocupados essencialmente com duas questões: economia e imigração. A economia continua a crescer e a criar empregos com um dinamismo com que, na Europa, apenas podemos sonhar; mas sofreu com a inflação que foi criada pela própria América, quando desatou a passar cheques às pessoas para combater uma crise que, afinal, nunca se instalou estruturalmente durante a Covid. O que mudou, realmente, nos últimos anos, foi a imigração, que atingiu números recorde.
Em teoria, votamos em líderes políticos que nos representam. Ainda a semana passada aqui escrevia que é difícil compreender como se sentir representado por alguém como Trump, que, tão visivelmente, só pensa nele mesmo. Mas talvez a questão seja mesmo essa: talvez tantas pessoas tenham votado Trump precisamente por ser um egoísta. Um egoísta como elas. Um egoísta como nós. Que vai fechar a porta aos outros. Não importa se é competente, nem mentiroso. Lembram-se dos ilegais que andavam a comer cães e gatos em Springfield? Ridículo, não era?
Porque, em toda parte, perdeu-se a vergonha de fazer apologia ao individualismo. Porque, até bem pouco tempo, as histórias falavam de heróis pobres ou remediados que, contra todas as apostas, triunfavam na vida, e agora os protagonistas são milionários, os videoclipes e perfis de redes sociais delírios de bling-bling e ostentação, a grande religião contemporânea um pastiche de receitas para o sucesso que dita que você sempre tenha mais, maior, mais caro e mais “exclusivo”. Trump venceu porque, em um mundo à beira do esgotamento dos recursos naturais, ele anuncia que os explorará ainda mais. Porque milhões de pessoas acham que, melhor, melhor, é pensar nelas mesmas, que é o que todo mundo faz.
Se isso vai dar certo? Claro que não. Se uma economia fechar-se sobre ela mesma fosse boa política econômica, a Coreia do Norte era uma potência. Nunca teria existido América. Enquanto isso, aqui fora, em todos os países a que os Estados Unidos voltarem as costas, só crescerão, ainda mais, a influência russa e chinesa. No fim, alguém perguntará o que deu errado. Pode ser que o cara para quem eles apontaram o dedo antes agora estenda a mão para eles. Mas eles não vão gostar.
O maior país do mundo rebentou de tão cheio dele mesmo. E nós não fazemos ideia do que vamos fazer sozinhos.
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