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No início desta semana, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, confirmou que a ofensiva em Kursk não foi discutida previamente com os seus aliados. “Há apenas alguns meses, se alguém tivesse ouvido que estávamos a planear uma operação como esta, teriam dito que era irrealista e que cruzava a linha vermelha mais sensível traçada pela Rússia”, afirmou Zelensky em conferência de imprensa. Estas declarações surgem em resposta à surpresa demonstrada pelo Pentágono perante o sucesso da ofensiva ucraniana em território russo.
Nos últimos tempos, a Ucrânia tem expressado descontentamento com o que considera ser um intervencionismo excessivo da administração Biden nas suas táticas militares, bem como com as críticas direcionadas a decisões que não seguem os planos delineados pela Casa Branca. Estas críticas raramente vêm diretamente dos líderes americanos, mas são frequentemente veiculadas por meios de comunicação próximos, como o Washington Post e o New York Timessegundo fontes do governo ucraniano.
Recentemente, o O economista publicou um artigo detalhado sobre a génese da operação em Kursk, no qual uma fonte próxima ao chefe das Forças Armadas ucranianas, Oleksandr Syrskyi, revela que “duas operações anteriores foram vetadas pelo Ocidente. Uma foi divulgada aos russos, e em outra ocasião, fomos obrigados a abortar a missão.” Inspirando-se no exemplo israelita, que tem desconsiderado os conselhos de Blinken e Biden sem perder o apoio dos Estados Unidos, a Ucrânia decidiu seguir uma estratégia independente.
“Precisávamos realizar a operação antes que os russos se apercebessem”, relatou uma fonte ao O economistao que ilustra a crescente desconfiança entre Kiev e Washington. Ao optar por agir de forma independente, a Ucrânia não só apanhou Putin de surpresa, mas também deixou parte do Ocidente em estado de choque, razão pela qual a ofensiva recebeu pouca atenção pública e ainda é vista com alguma cautela. O próprio artigo do O economista foi crítico, descrevendo a operação como “desesperada” numa “situação desesperada” para a Ucrânia.
O Lembrete de Bakhmut
Esta não é a primeira vez que surgem divergências significativas entre a Ucrânia e os seus aliados ocidentais. Dado o enorme apoio financeiro e militar que o Ocidente tem concedido a Kiev, é compreensível que queira influenciar as decisões estratégicas. No entanto, a guerra é travada na Ucrânia, pelos ucranianos, que arriscam as suas vidas e liberdade. Tentar orientá-los como se fossem inexperientes pode ser, no mínimo, paternalista — uma atitude que certamente não caiu bem a líderes como Syrskyi e Zelensky.
Embora haja um consenso firme contra o inimigo comum que violou o direito internacional, Zelensky e o Pentágono têm estado em desacordo desde o início do conflito. Os Estados Unidos alertaram repetidamente sobre a iminência de um ataque russo em várias frentes, mas Kiev inicialmente não deu ouvidos, por acreditar que a ofensiva se limitaria ao Donbass, sem incluir um ataque à capital ou uma invasão a partir da Crimeia.
Zelensky reconheceu o erro e rapidamente substituiu os responsáveis pela defesa territorial nas províncias ocupadas, acusando-os de traição. Os sucessos das operações ucranianas no verão de 2022 em Kherson e Kharkiv — esta última sob o comando de Syrskyi — levaram a diferentes interpretações sobre o rumo da guerra e provocaram novos atritos. No Pentágono, nunca se compreendeu a insistência de Syrskyi em defender Bakhmut, sacrificando muitos homens e recursos, e a frustração aumentava com os ataques ucranianos de longo alcance sobre a Crimeia e Rostov, destinados a enfraquecer as infraestruturas militares russas.
Fugas de Informação Perigosas
Washington tinha uma visão diferente da guerra, e desejava uma campanha que pudesse ser facilmente “vendida” ao público americano, consciente de que o apoio à Ucrânia poderia enfraquecer com o tempo, especialmente com a crescente influência do Partido Republicano e os seus laços com Putin. A ideia da “contraofensiva” do verão de 2023 não foi concebida por Washington, mas foi promovida de tal forma que quase foi condenada ao fracasso antes mesmo de ser executada.
Através da imprensa americana, foram divulgados detalhes de cada ponto de ataque, cada manobra futura, e cada operação planeada. Naturalmente, os russos foram os primeiros a ser informados, em parte graças às suas capacidades de espionagem, mas também porque a informação estava amplamente disponível em fontes como o New York Times. Isso permitiu às forças russas prepararem-se e fortificarem locais estratégicos como Tokmak, Vasylivka e a travessia do rio Dniéper, na cidade de Kherson.
A Ucrânia, sem superioridade numérica ou apoio aéreo significativo, avançou sob a pressão de Washington e a necessidade de demonstrar aos russos que ainda podiam alterar o curso da guerra. No entanto, o resultado foi modesto, com um custo humano e militar elevado. As tropas ucranianas enfrentaram fortificações bem preparadas em cada avanço, e a chamada “Linha Surovikin” parecia ajustar-se continuamente às intenções do general Zaluzhnyi, então responsável pelas operações.
Os modestos avanços alcançados tiveram um mérito que os Estados Unidos e o Ocidente raramente reconheceram. Eles esperavam ver uma vitória grandiosa, como Napoleão entrando em Moscovo, mas a realidade no terreno era bem diferente.
A Decisão de Zelensky
Quando o Pentágono sugeriu a demissão de Syrskyi devido ao seu contínuo desrespeito pelas orientações americanas, Zelensky tomou uma decisão clara: nomeou-o comandante do exército ucraniano em substituição de Zaluzhnyi. Este movimento foi um aviso a Washington, estabelecendo uma “linha vermelha” na relação entre os dois países. Desde então, a Ucrânia tem enfrentado uma onda de notícias negativas, prevendo possíveis desastres no campo de batalha, escassez de recursos e análises pessimistas sobre o avanço russo em áreas como Vuhledar, Chasiv Yar e Pokrovsk. Reportagens no terreno destacam frequentemente queixas de soldados ucranianos sobre falta de abastecimento e organização.
Apesar disso, a Ucrânia tem resistido surpreendentemente bem. As linhas de frente mantiveram-se enquanto Syrskyi planeava um golpe decisivo. Observando a movimentação das forças russas sob o comando de Yevgeny Prigozhin, líder do Grupo Wagner, desde o sul até ao norte da Rússia sem grande oposição, Syrskyi percebeu o elevado custo que os russos estavam a pagar pelos pequenos avanços no Donbass. Este acúmulo de forças e baixas russas sugeriu que outras áreas estavam a ser desguarnecidas.
Quando Syrskyi identificou o ponto mais vulnerável para um ataque eficaz, lançou a ofensiva sem esperar autorização de Washington. Os russos foram apanhados desprevenidos, e semanas após o início da operação, ainda lutam para reverter a situação em Kursk, algo que não têm conseguido com sucesso.
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