Quem gosta da saga “Percy Jackson e os Olimpianos” tem uma certeza: é impossível fazer uma adaptação audiovisual pior que os filmes lançados em 2010 e 2013. Houve, logo, uma sensação de conforto entre os fãs quando a Disney anunciou que lançaria um seriado fundamentado nas histórias. A obra de Rick Riordan finalmente seria homenageada nas telas, foi o que imaginaram.
Mas será que foi mesmo? Uma resposta um pouco positiva começa a se formar com os dois primeiros episódios da série de Percy Jackson, que estreia nesta quarta-feira, 20, na plataforma de streaming da Disney.
Neles, o pré-adolescente Percy é atacado por um monstro alado que costumava ser sua professora de álgebra. Depois o acidente, o menino descobre que seu melhor camarada tem pernas de cabrão, vê sua mãe desvanecer nas mãos de um latagão com cabeça de touro e é levado às pressas para um acampamento pleno de crianças filhas de deuses porquê Apolo e Afrodite.
Lá Percy descobre que os mitos gregos são veras, e que ele próprio é fruto de um deus, o senhor das éguas Poseidon. O menino se vê logo no meio de uma peleja intrincada entre o pai e seus dois irmãos, Zeus e Hades. Ao lado de dois colegas, ele é eleito para encontrar uma arma perdida e devolver-la ao deus a que pertence.
O trio de protagonistas Percy, Annabeth e Grover são vívidos, respectivamente, pelos americanos Walker Scobell e Leah Jeffries, de 14 anos, e Aryan Simhadri, que tem 17. Mora aí a principal diferença entre série e filme —os atores da versão levada aos os cinemas tinham entre 18 e 25 anos à estação das gravações. Só que a escalada não faz sentido, já que Percy tem somente 12 anos quando a história começa nos livros.
É importante que ele e os colegas sejam retratados porquê crianças. Por fim, “Percy Jackson” brilha justamente por razão da inocência de seus personagens, que descobrem serem capazes de enfrentar monstros e dramas de gente adulta —um pouco que já tinha oferecido evidente nos livros e filmes de “Harry Potter”, “As Crônicas de Nárnia ” e “As Crônicas de Spiderwick”.
O novo elenco até tenta dar conta do recado, mas é prejudicado por um texto raso e superficial. Numa cena do primeiro capítulo, Scobell precisa expressar emoção em uma conversa com sua mãe, mas os diálogos, que não poderiam ser mais piegas, apagaram qualquer fagulha de sentimento.
O ator também não encarnou, ao menos no início da série, o deboche e espírito virtuoso que Percy tem nos livros. Pode até não ser um problema de tradução dele, mas uma escolha de tom de roteiro e de direção.
Só que não cola. É o humor quase ácido de Percy que faz dissemelhante de Potter de JK Rowling e dos irmãos Peverell de “Nárnia”, por exemplo. O elemento, intrínseco aos livros, sumiu do seriado.
No primeiro romance, Percy encara o Minotauro gritando que o bicho é um “monte de músculos moída”. Nos dois primeiros capítulos da série, ele enfrenta essa mesma indivíduo em silêncio, sem soltar uma piadinha inconveniente, e com olhar intimidado. O personagem foi transformado no tipo mais genérico de herói.
O roteiro também peca ao olvidar de dar o mínimo de verossimilhança à história. Ora, se você desenredar que é fruto de um deus helênico e que existem monstros espalhados pela sociedade, espera-se uma ocorrência mais expressiva do que só risos nervosos e rosto de quem não entendeu. Pois é assim, com uma frase abobalhada, que Scobell leva todas as descobertas magníficas de Percy.
Mas é uma série correta, no universal. Os efeitos visuais convencem, os atores parecem ter química, as cenas de ação são decentes e a direção de arte é muito mais rica que a dos filmes. Estão lá os elementos que os fãs tanto pediram.
O problema é que, às vezes, ceder à pressão dos espectadores faz com que um resultado saia sem psique e plastificado. A ver se esse será o caso de “Percy Jackson” até o término.