Em Portugal, os cidadãos de nacionalidade brasileira são os únicos estrangeiros que podem candidatar-se a uma vaga de deputado na Assembleia da República, desde que sejam residentes, recenseados e possuam o Estatuto de Igualdade de Direitos Políticos.
Fábia Belém, correspondente da RFI em Lisboa
De 2018 a 2020, um total de 79 brasileiros solicitaram o estatuto ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Para se candidatarem nas eleições locais, os brasileiros só precisam provar que residem em Portugal há mais de 4 anos. O mesmo estatuto também é aplicado aos cidadãos de Cabo Verde.
Cyntia de Paula é presidente da Casa do Brasil de Lisboa, uma associação de imigrantes sem fins lucrativos, que tem um papel ativo na reflexão e na necessidade de políticas igualitárias para as comunidades imigrantes em Portugal. Ela nasceu no Mato Grosso do Sul e há quase 13 anos vive na capital portuguesa.
“Eu sou dos movimentos associativos e das lutas de rua, e sinto que esse é o meu lugar”, destaca. No ano passado, Cyntia recebeu o convite do Bloco de Esquerda, e participou da lista de candidatos que o partido levou às eleições autárquicas por Lisboa. Considere que a sua primeira disputa eleitoral “foi muito importante, sobretudo pra levar esse olhar da imigração”.
Nas eleições locais, cada legenda apresenta uma lista de candidatos que ocupam seus cargos. Dependendo do número de votos que tiver, o partido consegue ou não eleger seus nomes.
Representatividade
Cyntia não foi eleita, mas destaca que também é muito importante que as ideias do candidato façam parte das estratégias do partido.
“Só ter a nossa cara lá não é representatividade. O que a gente pensa e acredita tem que, de fato, ser incorporado no que pretende trabalhar nos próximos anos. Considere que as questões que estão no nível e o que contribui, por exemplo, para a construção do programa, foram ouvidas, e acho isso fundamental”, explica.
Democracia inclusiva
Há 14 anos em Portugal, a mineira Geiziely Fernandes ainda não foi eleita, mas já disputou cinco eleições – duas autárquicas e três legislativas.
“Eu acredito numa democracia, que é a democracia do futuro, uma democracia que seja completamente inclusiva e uma democracia multicultural..Acho que é pra lá que nós caminhamos”.
Geiziely diz que também decidiu se candidatar para deixar na agenda a “necessidade de inclusão democrática das pessoas migrantes”. Nas eleições legislativas deste ano, ela foi a primeira da lista do seu partido pelo Círculo Fora da Europa, grupo que tem dois assentos no Parlamento português e que defende os interesses dos migrantes.
Produtora cultural, Geiziely Fernandes é do Livre, um partido de esquerda fundado há oito anos. Ela conta que participou, inclusive, da coleta de assinaturas para a criação da legenda, e que chegou a ser vítima de xenofobia por parte de alguns portugueses.
“Perguntei a uma pessoa que queria se unir para a construção do partido, e logo que ele viu que eu era brasileiro tentou agarrar o meu braço num ato de protesto. Ela também dizia: ‘Volta pra sua terra’. Eu pensei: “Poxa, a minha terra também está aqui”.
O sentimento de pertencer
Na opinião de Geiziely Fernandes, a participação política, seja numa candidatura ou no exercício do direito ao voto, gera no imigrante um forte sentimento de pertencer ao país que escolheu para viver.
“Quando eu pude votar pela primeira vez, de fato, eu me senti incluído na sociedade, eu senti a igualdade, e eu me senti uma cidade, uma cidade podendo votar”.
O último relatório Estatístico Anual do Observatório das Migrações destaca, inclusive, que a participação política dos imigrantes contribui para a sua integração nas sociedades de acolhimento, “assumindo-se como uma ferramenta importante para que os imigrantes possam participar na definição das políticas que interferem diretamente nos seus locais de residência”.
É nos espaços como a Assembleia da República e as câmaras municipais, aponta Fernandes, onde são tomadas decisões que influenciam a vida das pessoas, inclusive dos migrantes. “Então, é importante que as pessoas migrantes possam, também, ter uma participação nessa tomada de decisão”.
A luta por mais participação de imigrantes na política
A presidente da Casa do Brasil de Lisboa, Cyntia de Paula, diz que sente, por parte da comunidade brasileira, “um maior interesse em entender o sistema político português, entender de que forma pode participar, buscar essa participação”, mas chama a atenção para a informação sobre a possibilidade de participação. “Ela ainda é muito rasa, é muito pouca. Falta interesse, também, do próprio governo, de divulgação desses direitos. Não há comunicação de massa pra incentivo às pessoas migrantes aos seus direitos.”
Políticas afirmativas
Na avaliação de Cyntia, é preciso que os partidos políticos e o próprio sistema político tenham mecanismos que potencializem a participação das comunidades de imigrantes. “Que se criam, de fato, mecanismos, cotas ou outras políticas afirmativas que possam existir pra que as pessoas – não só migrantes, mas pertencentes a outros diversos grupos minoritários e não só – participem, sim, desses processos de construção.”