A crise política em Portugal —onde suspeitas de corrupção em negócios ligados à transição energética provocaram a demissão do primeiro-ministro e colocou vários nomes ligados ao governo sob investigação— renovou o escopo dos protestos ambientais no país.
Além de realizarem ocupações em escolas e universidades, os movimentos de jovens ativistas também concentraram esforços em dois ministérios que estão no centro dos escândalos: o das Infraestruturas e o do Ambiente e da Ação Climática.
O grupo Greve Climática Ambiental especificou um protesto nas ruas de Lisboa no final de novembro e convocou os jovens portugueses a participarem de uma “visita de estudo” à sede do ministério do Ambiente.
O titular da pasta, Duarte Cordeiro, já foi atingido pela tinta verde lançada por esses mesmos ativistas e é um dos nomes investigados na chamada operação Influencer, que levou à queda do governo. O ex-ministro da área ambiental, João Matos Fernandes também está sob investigação.
A mobilização dos jovens na sexta-feira da semana passada (24) atraiu um grande aparato policial, que impediu que os ativistas entrassem no prédio. A situação, no entanto, acabou “distraindo” as autoridades para uma ação não anunciada em outro ponto da capital lusa: a invasão do Ministério das Infraestruturas.
João Galamba, ministro das Infraestruturas até o início do escândalo, foi alvo de busca e apreensão em sua residência e acabou formalmente declarado suspeito no caso, mas nega ter envolvimento com atos ilícitos.
Também formalmente suspeito para o Ministério Público, o presidente da Agência Portuguesa para o Ambiente (APA), Nuno Lacasta, afirma que não houve irregularidades na sua gestão. Ele já pediu, no entanto, para deixar a carga.
“Não nos surpreende em nada que esses políticos possam ter sido prejudicados. Qualquer governo que seja comandado pelas empresas e que surja para sustentá-las vai corromper a si próprio”, diz Beatriz Xavier, 19, porta-voz dos estudantes no protesto. Um ativista destacou ainda a proximidade dos políticos com grandes empresas petrolíferas e poluidoras.
A sexta-feira de protestos climáticos em Portugal acabou com mais de 20 detidos e um estudante ferido na cabeça. O grupo foi liberado pouco depois, mas ainda prestará contas à Justiça. Os julgamentos estão marcados para meados de dezembro.
Os ativistas têm reclamado da repressão aos protestos ambientais.
Na marcha em direção ao Ministério do Meio Ambiente, policiais à paisana se misturavam entre os manifestantes. Dois agentes não uniformizados abordaram e acompanharam a revista de uma das jovens estudantes, que carregava uma sacola com artigos usados nos protestos. Outros ativistas foram estratégicos e revistados na sequência.
“Eu me sinto vulnerável, porque fui revistada na frente de todos”, diz Matilde Alvim, uma das manifestantes da greve Climática Estudantil. “Mas também sei que isso é o sistema que tenta nos intimidar. Não vai funcionar”, completa o jovem, que diz que irá continuar participando dos atos.
Questionada pela reportagem, a PSP (Polícia de Segurança Pública) de Portugal não se manifestou sobre as queixas de violência dos ativistas.
Mesmo sob essas situações, o grupo diz que não pretende diminuir o ritmo dos protestos.
A crise política ligada ao setor de energias renováveis, que recebe grandes recursos da União Europeia, tem contribuído para as mobilizações.
No centro das investigações estão relacionados ao lítio e ao chamado hidrogênio verde: dois elementos que integram as apostas da União Europeia para a transição para fontes menos poluentes de energia.
Portugal tem a maior reserva de lítio do bloco —uma oitava maior do mundo—, mas a exploração do minério, cada vez mais valorizada devido à popularização dos carros elétricos, não é consensual no país.
Moradores, sobretudo das regiões onde há concentração de lítio, fazem alertas reiterados sobre as consequências negativas da mineração para a mineração meio ambiente e a sociedade.
As primeiras informações sobre suspeitas de irregularidades relacionadas ao lítio são de 2019, ligadas à concessão e à retirada de minério no município de Montalegre, no norte de Portugal.
Horas após o pedido de demissão do primeiro-ministro, apresentado em 7 de novembro, diversas associações pediram a interrupção imediata dos projetos de remoção no território português.
“Exigimos o cancelamento imediato de todos os projetos de mineração de lítio em Portugal, que estão incluídos na fase de prospecção, de avaliação, ou de exploração”, diz um comunicado conjunto assinado por seis organizações.
Já na questão do hidrogênio verde, as suspeitas passam por uma possível atuação do governo para beneficiar um grande projeto a ser realizado em Sines, no sudoeste do país. Idealizado como um substituto do gás natural, o material é produzido com energia proveniente de fontes renováveis e é outra aposta do país para a transição energética.
Embora Portugal e Espanha tenham se unido em um megaprojeto ibérico para converter seus gases em circulação de hidrogênio, a produção comercial de larga escala a preços competitivos ainda está distante.