Novembro 17, 2024
Esconder documentos e faturas é um hábito que ‘une’ a classe política em Portugal – Executive Digest

Esconder documentos e faturas é um hábito que ‘une’ a classe política em Portugal – Executive Digest

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Há um elemento que ‘une’ a comunidade política em Portugal, seja qual for o quadrante político: sejam câmaras municipais ao Governo, passando pelas juntas de freguesia, os responsáveis ​​políticos recusam mostrar como gastaram o dinheiro dos cartões e fundos de gestão que nos têm fornecedores de gabinetes. De acordo com a revista ‘Sábado’, frequentemente se recorre aos serviços jurídicos pagos pelo Estado e chega a invocar “reserva da vida privada”, numa história de dois anos, com 42 queixas, 21 processos judiciais e seis sentenças.

No verão de 2023, uma revista solicitou, ao abrigo da Lei de Acesso a Documentos Administrativos, à Junta de Freguesia das Avenidas Novas (Lisboa), extratos de qualquer cartão bancário titulado pela junta nos últimos três mandatos, assim como relatórios dos pagamentos das ajudas de custo, mas também faturas de despesas com fundo de manejo – almoços e jantares.

“Não tem esta Junta de Freguesia nada a esconder que não possa ser relatado ou apresentado nos termos legais”, foi a resposta do Executivo de Daniel Gonçalves, da coligação Novos Tempo. “Todavia, nós, igualmente, de ter em conta interesses terceiros, legalmente protegidos, que não podem ser ‘beliscados’ pela ação investigatória.”

O pedido foi feito também a todas as Juntas de Freguesia da capital, mas aos ministérios do Governo (então sob liderança socialista), à Câmara Municipal de Lisboa e a todas as câmaras circundantes de Lisboa, incluindo a margem sul do Tejo. Em todas, salvo raras abordagens, houve um muro de silêncio.

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A recusa nas Avenidas Novas foi apenas o início de uma recusa em toda a linha: a junta sustentou, num parecer jurídico, que o pedido dizia respeito a “elementos sensíveis, em assuntos sensíveis”. Outro argumento – utilizado por outras juntas e câmaras – foi que eram documentos demasiados, pelo que os obrigaria a implicar a afetação de funcionários e a consequente perturbação dos serviços.

Foi o caso da junta de Belém (de Fernando Ribeiro Rosa, do PSD), que indicou que “paralisaria o funcionamento dos serviços”; já a dos Olivais (Rute Lima, PS) frisou que só dispunha de dois funcionários na contabilidade e um nos recursos humanos: na Estrela (Luís Newton, PSD), o pedido “implicava um esforço manifestamente desproporcionado”, com “claro impacto negativo” nos serviços, a mesma desculpa do Benfica (José da Câmara, PSD), com uma resposta praticamente igual à da Estrela.

A Câmara do Barreiro (Frederico Rosa, PS) acusou o “trabalho hercúleo” e a de Sesimbra (Francisco Jesus, CDU) decidiu porque era “um esforço desproporcionado”. Já a junta de São Vicente (Natalina Moura, PS) salientou o “esforço de meios desmesurados”, que provocou a “paralisação ou o entorpecimento” dos serviços, sustentando que “não foi identificado e justificado qual o interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante” para acessar estes documentos.

A ‘Sábado’ fez queixa à Comissão de Acesso a Documentos Administrativos (CADA), entidade que faz uma espécie de arbitragem entre quem pede um documento e quem está na posse dele. Em 42 pareceres, a CADA sempre refutou o argumento de que se recusa pode mostrar documentos apenas porque dá muito trabalho. Por exemplo, no caso das Avenidas Novas, a junta “deve explicar os fundamentos e dificuldades existentes”, ou seja, tem de demonstrar o que alega.

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No entanto, referiu a publicação, houve juntas e câmaras que puderam ser consultadas a documentação solicitada: foram elas as câmaras de Almada, Odivelas, Loures, Matosinhos, Palmela, Oeiras e Sintra. E algumas juntas de freguesia de Lisboa: Arroios, Ajuda, Beato, Campolide, Campo de Ourique e Marvila.

A proteção de dados pessoais, avançada pelos órgãos políticos, foi um argumento muito utilizado para a recusa do acesso aos documentos: a CADA elucidou: “É uma questão que se prende com o controle dos gastos de dinheiros públicos e, assim, também de transparência da transparência atividade administrativa.”

Por exemplo “o cartão de crédito mais não é um meio de pagamento de despesa pública. (…) As movimentações dos cartões usados ​​em funções não protegidas por dados sensíveis. O uso dado a cartões de crédito e débito não é pessoal, mas funcional”, e como tal, a informação “pode ser escrutinada”.

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Os “dados pessoais” apareceram também nas recusas das juntas do Lumiar (Ricardo Mexia, PSD), Benfica (Ricardo Marques, PS), Carnide (Fábio Sousa, CDU) e Santa Maria Maior (Miguel Coelho, PS). Na junta de Belém, foi mesmo evocado a “proteção pelo sigilo bancário”, a exemplo da câmara do Seixal, de Paulo Silva (CDU).

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A Câmara do Barreiro (do PS) recorreu a um parecer do seu encarregado de proteção de dados, que alegou que as faturas têm “dados pessoais”, que teria de haver uma “autorização escrita” passada pelo presidente e vereadores para se poder aceder às despesas que realizaram no exercício da carga e que o jornalista tem de “alegar qual é o interesse concreto no acesso aos documentos”. Concluiu: “Recomenda-se que o município não faça transmissão nem conceda o acesso aos documentos, nestas condições.”

O exemplo foi seguido pela Câmara de Setúbal, da CDU, que indicou que “não é possível expurgar os dados” das faturas de restaurantes ou extratos de cartões bancários, pelo que os documentos “não devem ser fornecidos” – a câmara comunista referiu mesmo que a publicação “não é parte interessada”, pelo que deveria “apresentar um novo pedido que se atenha àquilo que, salvo melhor opinião, poderá corresponder ao direito que pretende exercer que foi manifestamente excedido”.

Os 18 ministérios do Governo de António Costa, assim como o gabinete do primeiro-ministro, foram alvo dos mesmos pedidos: nenhum respondeu, pelo que foi feita reclamação na CADA, que instruiu os ministérios a fornecer os documentos. Desde esse momento, os ministérios deram respostas iguais sobre como funcionava o regime de ajudas de custos, fundos de gestão e cartões bancários nos gabinetes, mas nem uma palavra sobre quando se pudesse consultar os mapas, extratos e faturas de todas estas despesas.

A recusa motivou a instauração de um processo judicial a cada um deles: com a mudança de Governo, a ‘Sábado’ informou por email o ministro da Presidência e solicita que o novo Executivo forneça a documentação exigida, até para cumprimento dos pareceres da CADA. António Leitão Amaro nunca respondeu.

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Os tribunais já condenaram dois ministérios, incluindo o de Leitão Amaro, que continua sem cumprir a sentença: de acordo com o organismo, o que estava em causa era o acesso a “milhões de documentos” e que “o objeto da informação solicitada contém dados pessoais de certos titulares de cargas políticas e cargas públicas”.

No entanto, a juíza Ana Rita Pinto destacou que se “presume que é apenas em causa o acesso a documentos administrativos. Embora os documentos solicitados possam ser documentos nominativos – porquanto faturas, recibos, talões, etc., podem conter informações sobre os dados da despesa, o horário em que foi realizado, o local…
– o que é certo é que tais despesas foram efetuadas no exercício de funções, razão pela qual não pode ser negado o seu acesso, tratando-se de controlo de despesas de dinheiro público e de transparência da atividade administrativa”.

A Câmara Municipal de Lisboa é o caso que se arrasta há mais tempo. Em setembro de 2022, ao novo executivo foi solicitada a mesma documentação sobre os anteriores, do PS. Carlos Moedas prestou alguma informação, mas nunca abriu as portas da câmara sobre as suas faturas e extratos. Seguiram-se os tribunais.

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