Novembro 15, 2024
Jornal da Unesp | Votação expressiva do Chega! reflete crescimento do sentimento anti-imigração em Portugal, mas também deve haver dificuldades econômicas e ao poder das redes sociais, diz pesquisador da Unesp

Jornal da Unesp | Votação expressiva do Chega! reflete crescimento do sentimento anti-imigração em Portugal, mas também deve haver dificuldades econômicas e ao poder das redes sociais, diz pesquisador da Unesp

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Renato Coelho

Após quase um mês de negociações complexas, a posse do novo primeiro-ministro de PortugalLuis Montenegro, ocorrido no último dia 2/4, foi recebido com uma confusão de conflito, ceticismo e revolta pelo eleitorado português. A parte da revolta ficou por conta dos adeptos do partido de extrema-direita português Chega!, que aguardavam um convite, por parte de Montenegro, para que a agremiação apoiasse o novo governo e, em troca, administrasse algumas pastas e partilhasse do poder. A coligação de centro-direita Aliança Democrática, que Montenegro integra, obteve uma pequena vantagem sob os demais partidos, conquistando 80 dos 230 assentos na eleição antecipada da Assembleia da República. Porém, o político escolhido pelo presidente de Portugal para formar um novo governo preferiu compor com seus adversários políticos históricos, o Partido Socialista, buscando assim isolar o partido de extrema-direita.

Ó Chega! foi a grande influência eleitoral desta eleição, que ocorreu em 10 de março, tendo passado de 12 cadeiras ganhas na eleição de 2021 para 48 cadeiras neste sufrágio. O PS de centro-esquerda, que antes era o partido de situação, obteve 78 assentos. O acordo entre o PS e a Aliança Democrática estipula que José Pedro de Aguiar-Branco, que pertence à Aliança Democrática, presidirá a Assembleia da República pelos próximos dois anos, seguida pelos socialistas nos dois anos seguintes. A estranha solução foi o caminho para evitar uma aliança entre a Aliança Democrática e o Chega! O quadro reflete tanto a fragmentação da sociedade portuguesa em blocos bem distintos como o desejo de renovação, depois de décadas de polarização entre PS e a centro-direita, e a canalização desse desejo para a onda de extrema-direita que varre a Europa e o mundo.

O crescimento do Chega! junto ao eleitorado português, que depois se traduziria em sua atuação vitoriosa registrada na última eleição legislativa em Portugal, foi o tema da pesquisa de doutorado de Lucas Arantes Zanetti no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da Unesp, campus de Bauru. Parte da pesquisa aconteceu em Portugal, durante um período de doutorado junto ao Instituto Universitário de Lisboa. Em seu trabalho de campo, ele acompanhou atividades tanto de coletivos de ativistas migrantes como de grupos que se colocam como contrário à imigração, como a juventude do Chega!.

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UM teseintitulada “Esfera pública midiatizada, ativismo migrante e anti-imigração: Disputas identitárias e representação social em Portugal”, foi defendida em 15 de março no Departamento de Ciências Humanas da FAAC, poucos dias após o Chega ter conseguido a sua votação mais expressiva. Ele contribuiu com pesquisa sob orientação da docente Caroline Kraus Luvizzotto.

Zanetti diz que o partido português se inspira nos partidos de extrema direita da Europa, EUA e Brasil, e apresenta certos aspectos semelhantes ao bolsonarismo, com quem compartilha pautas e estratégias políticas. “Discursos agressivos, xenófobos e racistas não são novos, mas o Chega! inflama o cenário político-social português. Certamente, a postura dessa sigla deixa as pessoas que apoiam essas retóricas mais à vontade para praticarem todos os tipos de discriminação”, diz.

Ele explica que a ascensão do partido ocorreu rapidamente e é um complexo específico, que envolve vários fatores. “Primeiro, a economia não está bem. O mercado de trabalho é extremamente restrito e o país depende do turismo e da União Europeia. A corrupção também se tornou um tema central, com vários casos e escândalos relacionados ao Partido Socialista”, diz. Outro problema é o envelhecimento da população portuguesa, em parte devido ao êxodo de jovens que partem em grande número em busca de oportunidades de trabalho em outras nações. Aproximadamente um milhão de cidadãos, em sua maioria pessoas entre 15 e 39 anosvivem fora do território nacional. Por fim, um terceiro fator é o uso das redes sociais e a difusão de notícias falsas. Este fator foi um dos focos da pesquisa.

Zanetti disse ter descoberto estratégias que ajudariam a viralizar mensagens populistas a partir de discursos construídos para públicos específicos. “Não há perfil Chega! no Instagramencontrei discursos agressivos e incisivos, que emulam indignações e representações sociais na linha de ‘recuperar Portugal para os portugueses’ e ‘restaurar sua glória’. Eles argumentaram que o país precisa de uma ‘limpeza’. Mas que tipo de ‘limpeza’ é esse? O que isso significa?”, indaga. Ele também concordou que a maior parte dos conteúdos foi produzida por youtubers e influenciadores, ao invés de profissionais da comunicação de formação mais tradicional. Esses produtores tendem a priorizar a busca por engajamento e por visualizações das mensagens que veiculam ou repassam, sem necessariamente se comprometerem com a base factual do que estão comunicando. “Isso abre espaço para discursos falsos e estratégias retóricas, responsáveis ​​por alienar o público que consome esse tipo de conteúdo”, diz.

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Assim como aconteceu com o ex-presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, o líder do Chega, André Ventura, começou a ganhar projeção por meio de falas polêmicas divulgadas pela mídia. Entretanto, Ventura foca grande parte das suas críticas e discurso de ódio contra a comunidade cigana, que historicamente é vítima de preconceito e perseguição na Europa. Embora seu partido não se apresente abertamente como defensor de um projeto anti-imigração, pois ainda não apresentou projetos de lei neste sentido, Ventura se opõe à política de fronteiras abertas. Segundo Zanetti, essa contradição se deve ao fato de que, para a sigla, não seria estratégico atacar diretamente comunidades de imigrantes, especialmente a comunidade brasileira que, historicamente, conta com um grande número de participantes e influência em Portugal. Mesmo assim, brasileiros que buscam novas oportunidades no país sem contar com uma estrutura de habitação, emprego ou cidadania definida, não são bem-vistos.

“Os resultados indicam uma transformação, na esfera pública portuguesa em relação ao aumento da imigração nos últimos anos, descrita pelo discurso anti-imigração, da polarização e da radicalização do repertório de ação dos ativistas contrários à presença do imigrante. Apesar disso, não foram identificados grupos organizados de movimentos sociais anti-imigração no país”, escreve ele na tese.

O futuro do cenário político português é incerto. Os analistas decidiram que o governo irá se aliar ao Chega! para aprovar determinadas pautas.“Para quem acredita em democracia, justiça social e equilíbrio, as perspectivas não são boas, especialmente para os imigrantes. É necessário refletir sobre o futuro de Portugal, mas principalmente, como brasileiros, pensar nas questões de imigração para Portugal”, diz Zanetti.

Ouça a íntegra da entrevista abaixo.

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Imagem acima: O primeiro-ministro de Portugal, Luis Montenegro, durante sua cerimônia de posse. Crédito: @gov_pt.

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