Setembro 20, 2024
Política econômica tem teste nas eleições em Portugal, após anos de crescimento

Política econômica tem teste nas eleições em Portugal, após anos de crescimento

Portugal tem neste domingo (30) uma nova eleição parlamentar, um ano antes do previsto, depois do primeiro-ministro António Costa, do Partido Socialista, não conseguir aprovar seu orçamento para o ano.

Costa, no poder desde 2015, e seu partido começaram as pesquisas em ampla vantagem, indicando chances de conseguir não apenas reeleição, mas uma maioria parlamentar sem depender de outros partidos. Mas o cenário mudou, com o Partido Social Democrata, de centro-direita, se aproximando nos levantamentos mais recentes.

Para especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, o pleito deste domingo é também um teste para a política econômica que Costa implementou nos últimos anos.

A estratégia rendeu críticas tanto de antigos partidos aliados à esquerda quanto da oposição, por motivos diferentes, mas está associada a uma sequência de variações positivas no PIB (Produto Interno Bruto) ligada à popularidade que pode garantir a permanência do político no poder.

Os anos de crise

A ascensão de Costa ao cargo de primeiro-ministro está ligada, sobretudo, aos efeitos que Portugal enfrentou da crise econômica em 2008.

José António Cadima Ribeiro, professor da Universidade do Minho, afirma que o país “atravessou uma situação de graves dificuldades em termos econômicos e financeiros, depois do problema com o financiamento por bancos dos Estados Unidos em 2007”.

Apesar de começar nos Estados Unidos, a crise se espalhou pelo mundo, e atingiu duramente alguns países europeus, entre eles Portugal.

Inicialmente, a tentativa de proteger a população dos efeitos da crise envolveu um aumento de gastos públicos, mas isso fez o endividamento público português avançar a níveis elevados. Em 2009, por exemplo, o déficit público português passou de 2,7% em relação ao PIB para 9%.

“Isso levou a uma negociação com o FMI e o BCE [Banco Central Europeu], que foi associada a um conjunto de medidas para reequilibrar as contas e dívidas públicas, que atingiu dramaticamente as famílias, com corte nos rendimentos com alta de impostos e redução de apoios sociais que eram distribuídos”, diz.

A ajuda financeira que o FMI e o BCE deram a Portugal teve, como contrapartida, o que Margarida Antunes, professora da Universidade de Coimbra, chama de “intervenção financeira, mas que foi denominada assistência financeira, entre 2011 e 2014, e foi pedida à União Europeia”.

Ela afirma que, por ser um integrante da zona do euro, as políticas cambial e monetária acabam ficando sob responsabilidade do BCE, com os governos podendo influenciar a economia via orçamentos.

Entretanto, a adesão à zona demandava o cumprimento de dois limites, no déficit público e na dívida, ambos em relação ao PIB do país, que precisariam ser atingidas pelos países em crise que receberam ajudas financeiras.

“À época, entendeu-se que, se o país estivesse em situação de crise, a resposta tinha que vir atrás do mercado, em especial do de trabalho, e não via orçamento, já que um desemprego maior poderia estimular a queda de salários e, depois, aumentar o emprego”, diz Antunes.

Para António Afonso, professor da Universidade de Lisboa e ex-economista-chefe do BCE, o período foi de “de ajustamento dos desequilíbrios internos orçamentais e externos”.

Com isso, a partir de 2011, o governo do PSD – que assumiu naquele ano após a derrota do PS nas urnas – adotou políticas alinhadas a esse pensamento, flexibilizando salários e leis trabalhistas, aumentando juros e impostos para a população e cortando benefícios sociais para reduzir os gastos públicos.

Segundo Ribeiro, “isso levou a uma crise econômica, queda do PIB e aumento do desemprego”.

Ao mesmo tempo, o plano de recuperação econômica português precisou ser refeito com a crise econômica na Grécia, com as autoridades europeias exigindo ainda mais restrições orçamentárias.

Antunes define o cenário como um “ciclo vicioso, com o PIB reduzindo e dificultando recuperação dos déficits”, e por isso exigindo a assistência financeira europeia.

“Foi um plano aproveitado pelo governo para fazer mais do que a proposta pretendia, ir além, com privatizações por exemplo. Portugal teve momentos difíceis, com cortes no bem-estar da população, cortes de salários no setor público. O governo apostou em uma desvalorização interna de salários”, diz.

Para a professora, a política não deu certo porque a demanda interna em Portugal tem um peso maior na economia do que exportações, que o governo buscou incentivar. A queda de salários acabou tendo um efeito que as exportações não conseguiram compensar, e a crise se aprofundou.

Com esse cenário, as eleições de 2015 foram favoráveis à oposição, com o Partido Socialista, de centro-esquerda, aceitando formar um governo minoritário com apoio de partidos de esquerda, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista, pela primeira vez na história. Surge, então, a chamada Geringonça.

O governo Costa

A aliança inédita fez com que António Costa assumisse o governo. Para José Ribeiro, o objetivo foi de “aliviar o peso sobre as famílias, por causa da redução de salários e apoios sociais”. Nesse sentido, ele avalia que o governo teve “maior atenção às questões sociais e à equidade social, para recuperar o poder de compra das famílias”.

Entretanto, Portugal ainda precisava seguir os condicionamentos econômicas da União Europeia. O cenário, Antunes afirma, era de “melhorar a situação das famílias, mas cumprindo os critérios europeus”.

Por outro lado, os partidos de esquerda que apoiavam Costa ajudaram a aprofundar medidas para além das propostas de Costa nas eleições, como aceleração nos cortes de impostos, fim da baixa de salários, aumento de benefícios sociais e medidas para estabilizar os empregos públicos.

“Em 2015 a 2019, já se notava sinal de recuperação, que acredito que teria sido mais lenta com o governo anterior. O governo foi original mesmo no espaço europeu, decidindo que o crescimento tinha que ser feito pela demanda, melhoria do rendimento das famílias. E isso estimulou o crescimento econômico”, diz.

Ribeiro afirma que os resultados da política do governo “foram bons”, com o PIB crescendo mais que a média da União Europeia, mas destaca que Portugal “partia de uma situação de atraso relativo”.

O professor também cita a importância do desenvolvimento do turismo no país, um setor que teve “um grande surto de desenvolvimento” a partir de 2011 até a pandemia.

“Naquele período de intervenção do FMI e BCE, a economia sofreu bastante, teve quedas acentuadas em alguns setores, com exceção do turismo, foi o motor da economia nesse período”.  Já em 2019, o setor representa cerca de 50% da balança de serviços portuguesa.

Ribeiro diz que os anos do governo Costa também estiveram ligados a uma diversificação maior da economia, envolvendo áreas como automóveis, eletrônicos e metalmecânicos, com a volta da indústria têxtil.

Para Afonso, um aspecto positivo do governo foi a “recuperação do rendimento disponível das famílias. Um aspecto menos positivo acabou por ser o fato de que, para algumas entidades do setor bancário, foi necessário levar a cabo uma transferência de importantes fundos públicos”.

Com a economia se recuperando e o bem-estar das famílias subindo, Costa conseguiu se reeleger em 2019 sem precisar mais de um acordo oficial com os partidos de esquerda. A estratégia, porém, acabou levando a um quadro que culminaria nas eleições atuais.

Pandemia e fim do governo

Margarida Antunes afirma que, apesar de o governo ter conseguido conciliar as metas europeias com os planos de melhorar a renda de famílias, o surgimento de uma terceira demanda, a de elevar os investimentos públicos, tornou o equilíbrio de Costa mais difícil.

“Depois da recuperação de rendimentos e trabalho, uma parte da população e os partidos de esquerda queriam mais, melhorias nos serviços, modernização. O governo enfrentou um trilema de como manter compromissos europeus, continuar a melhorar rendimentos e fazer os investimentos públicos necessários. Não conseguiu cumprir tudo”, afirma.

Os partidos de esquerda e o de centro-esquerda de Costa também passaram a se desentender em medidas como o aumento do salário mínimo – que subiu 40% entre 2015 e 2022 mas não o suficiente para esses partidos – e o fim das flexibilizações de leis trabalhistas do governo anterior – a que Costa se opôs.

Ribeiro diz que “esse cenário durou até 2021, quando o governo quis aprovar um novo orçamento para 2022 a que os partidos mais à esquerda e a direita se opuseram”. Sem a aprovação, Costa perdeu a capacidade de governo, e as eleições foram convocadas.

Além do cenário político mais complexo, Portugal também enfrentou nos últimos anos os efeitos da pandemia de Covid-19. A necessidade de isolamentos para evitar a proliferação do vírus e o fechamento de fronteiras afetaram duramente a economia portuguesa, segundo Ribeiro, devido ao peso do turismo no PIB.

“O setor de turismo foi o mais atingido, e países como Portugal, que mais dependem para o emprego e equilíbrio foram os mais afetados, particularmente no caso da Europa, e o PIB caiu bastante, uma das maiores quedas do continente. A retomada da economia passa pela retomada do turismo”, afirma.

Antunes cita medidas do governo de apoio econômico às empresas e trabalhadores, para mitigar a deterioração de renda, que, em geral, foram bem sucedidas, mas nem todos os trabalhadores receberam esses apoios, em especial os informais.

“O desemprego é o mesmo de antes da pandemia, horas trabalhadas não mudaram muito, nossa vacinação é uma das maiores do mundo, é um sinal de recuperação”, afirma. Já Afonso avalia que essas ajudas demandaram um aumento da dívida pública e do déficit orçamentário, em um “esforço importante do governo”.

Segundo a professora, a atuação do governo na pandemia é bem-vista pela maioria da população, o que é um fator favorável para a eleição.

Eleições

Antunes classifica as eleições deste domingo como “as mais complexas nos últimos anos”, com nenhum resultado claro no horizonte.

As pesquisas apontam uma disputa acirrada entre Costa e Rui Rio, líder do PSD, mas nenhum dos dois deve conseguir formar um governo sozinho, o que torna a formação de coalizões essencial para entender como as políticas econômicas podem mudar após o pleito.

“Se o PS tentar coligar à esquerda, precisará ter políticas mais à esquerda fruto dessa negociação. Se o PSD ganha e se associar a partidos à direita, a Iniciativa Liberal, que atrai os mais jovens, e o Chega, de extrema-direita, terá propostas mais à direita”, afirma.

Rui Rio
Rui Rio é o candidato do PSD ao cargo de primeiro-ministro de Portugal / Getty Images/Horacio Villalobos#Corbis

Segundo Afonso, a discussão de temas econômicos tradicionalmente não ocupa muito espaço nas eleições. Até o momento, as principais propostas dos dois grandes partidos para a economia giraram em torno da área de impostos.

Antunes afirma que “o candidato do PSD foi claro ao dizer que é neoliberal, ele prefere orientar a economia pela oferta, reduzir impostos para empresas, governar para o mercado. Já o PS quer reduzir impostos para nichos, mais na área de inovação, e quer melhorar rendimentos e salários das famílias”.

Ela cita também a proposta do PSD de retirar o termo “tendencialmente gratuito” ao definir os serviços de saúde no país, o que pode levar a classe média portuguesa a começar a pagar por eles.

António Afonso afirma que “o maior impacto dos resultados das eleições tenderá a ser em termos de ser possível, ou não, obter uma solução governamental estável para o médio prazo de modo que os agentes econômicos nacionais e internacionais tenham confiança para as suas decisões de consumo, investimento e financiamento”.

Segundo ele, esse ambiente é ainda mais necessário com a perspectiva de que, em breve, o BCE deve ter algum nível de redução da sua postura expansionista, de estímulo à economia.

Para Ribeiro, “se o cenário for o de continuidade, não é crível ver perturbações na estratégia atual. O problema será a capacidade de o partido de negociar apoios com os partidos à esquerda”.

O professor destaca que qualquer um dos vencedores ainda precisará lidar com a alocação de recursos que Portugal receberá a partir do plano de recuperação de economias da União Europeia, que precisará “ser discutido, e distribuído”.

“Uma vitória à direita é mais complicada, vão gerar tensões políticas, em especial no contexto laboral, um fator importante para o crescimento foi uma negociação dos partidos à esquerda e resguardo com movimentos sindicais. Se for um governo de direita, não deve ter isso”, afirma.

Ele diz ainda que, caso o PSD aceite negociar com o Chega, cujo forte discurso anti-imigração e falas consideradas racistas são alvos de críticas, pode-se “criar uma onda de contestação pública, mas sem esse diálogo não conseguiria constituir um governo, então teríamos um cenário imprevisível para a situação política e, consequentemente, econômica”.

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