A campanha eleitoral aflora a ponta do icebergue mas para encarar o horizonte é preciso ir mais fundo. À superfície não há dúvidas de que o país melhorou nos últimos anos: a regulação de rendimento; o incremento poupado; o controlo das contas públicas; o déficit mais grave da democracia; a descida do desemprego; a atmosfera mais aprazível na sociedade. Isto é importante, mas não serve de garantia para o horizonte se não tivermos “a capacidade de compreender em que espécie de mundo estamos a viver”, para usar uma sentença de George Orwell.
Um mundo que ajuda à desintegração do Oeste, ao ressurgimento dos nacionalismos identitários e da xenofobia, à devastação das instituições multilaterais, à desglobalização, às guerras comerciais, à estagnação económica da Europa e à sua crise política com o “Brexit”, à disfuncionalidade do Euro e às forças centrífugas que ameaçaram o projecto europeu, à recessão anunciada. O país está pronto para isso? Não está.
O paradigma econômico não mudou, mantém os mesmos vícios e deficiências. Portugal tem uma economia exclusiva, a maioria das pessoas não participa nas atividades económicas, os titulares são protegidos, as barreiras de ingressão são elevadas, a concorrência e a concorrência são baixas. Não há estímulos para a geração de mercados mais inclusivos permitindo o ingresso de maior número de pessoas na atividade econômica, criando condições para que quem tem boas ideias seja capaz de encetar o seu projeto. A isto acrescem as deficiências de qualificação dos recursos humanos e de gestão das empresas, grave investimento e que é muitas vezes mal feito, improdutivo e aposta mais no capital físico “não-inteligente” (rotundas, piscinas municipais, pavilhões e estádios que estão vazios ), em detrimento do investimento que é crucial para aumentar a produtividade e requer o foco no capital inteligente porquê equipamentos informáticos, tecnologias de informação e notícia, e capital intangível, porquê as bases de dados, o Programas, o capital organizacional, o design e o marketing, o treino e a formação profissional. Temos uma longa tradição de fazer pouco e mau investimento, e isso não está só. Resultado: a produtividade do país não cresce e sem aumento de produtividade não há geração sustentável de riqueza.
Nestas condições, porquê é que Portugal possa sobreviver numa Europa estagnada economicamente, em que a Alemanha continue a praticar e importe a sua ortodoxia financeira focada no controlo da inflação, quando o que temos é um continente em deflação? Uma vez que vai Portugal sobreviver quando o BCE terminar a sua política monetária expansionista, que não consegue estimular a economia? O que vai sobrevir em Portugal, incapaz de mudar o seu protótipo de desenvolvimento poupado, incapaz de libertar o sector de produção de bens transaccionáveis, quando as exportações enfrentarem dificuldades? É avisado racontar unicamente com o turismo, apesar de sua tributo extraordinária nos últimos anos, quando a experiência ensina que é volátil e depende de fatores conjunturais? Neste quadro, é importante ir ao fundo do icebergue e compreender alguns desafios cruciais que o país enfrenta.
O primeiro é a premência de recompensar o protótipo de desenvolvimento poupado e torná-lo mais sustentável. Portugal cresce pouco. Entrou no século XXI e a economia continua no século pretérito. De 2001 a 2015, Portugal cresceu à taxa média de 0,05% ao ano. No mesmo período o investimento caiu 47%. Não admira que o país tenha ido parar à bancarrota. Apesar da recuperação dos últimos anos, o país ainda tem um investimento grave e tem um problema crônico de incapacidade de reportar o seu estoque de capital. E sem investimento inteligente não há recuperação econômica sustentável.
O incremento dos últimos anos deve-se muito à política monetária expansionista do BCE e à dinâmica das empresas e do setor privado, que foram capazes de fazer crescer as exportações. Mas o incremento é ainda restringido e é preciso edificar políticas públicas inteligentes que sejam capazes de produzir condições para mudar a economia e dar sustentabilidade. O principal problema de Portugal não é a escassez de recursos, é a escassez de perceptibilidade nas políticas públicas. Essas políticas devem visar a geração de uma economia mais oportunidade com investimento público na qualificação de recursos humanos e lhaneza à iniciativa privada. São as empresas que criam riqueza mas em Portugal as empresas são hostilizadas. O desenvolvimento econômico deve combinar os setores tradicionais com a geração de outros pólos industriais potencializando a revolução do dedo, criando aceleradores de negócios, apostando na transição energética, nos recursos endógenos, incluindo as energias renováveis, o gás, o lítio, o cobalto e as terras -raras, potencializando a Zona Econômica Exclusiva e o conjunto do mar, usando a digitalização, a tecnologia e o conhecimento para desenvolver um protótipo sustentável capaz de proteger os ecossistemas e ao mesmo tempo produzir riqueza. As biotecnologias, as ciências da saúde, as nanotecnologias, as redes de energias inteligentes, as energias renováveis, as pescas e os portos, todos esses setores podem, de forma articulada e com políticas públicas integradas, furar as portas do horizonte.
O segundo duelo é melhorar o sistema político e combater a intervalo que existe entre oriente e os cidadãos. A regeneração da política passa por uma governança mais inteligente, estruturas de decisão mais eficazes, novos modelos de participação. Sem diálogo com os cidadãos e sem a sua participação, o sistema político fica cada vez mais longe e isso faz medir a suspeição e os populismos. O papel dos partidos políticos é fulcral porque sem partidos não há democracia. Mas os partidos têm de transpor do seu autismo crônico e nunca olvidar que a política serve, porquê disse Hannah Arendt, para resolver os problemas das pessoas. A governança, além de mais inteligente, tem de ser defendida quer das pressões populistas de limitado prazo, ampliadas pela democracia direta das redes sociais, quer dos lobbies e interesses especiais, primando pela transparência e pela prestação de contas. A democracia tem falhas e se elas não foram resolvidas, modernizando a governança, instalando um novo “Programas cívico” capaz de atrair e mobilizar os cidadãos, o sistema deteriora-se.
Finalmente, é necessária uma visão integrada capaz de mobilizar para a mudança e para as reformas que são indispensáveis, porquê a da economia e a do Estado. Todos sentimos a premência de fazer essas reformas, mas no fundo há uma grande falta de crença sobre a capacidade de fazer. Só uma visão estratégica que muda a percepção das coisas e mobiliza as pessoas pode dar sustentabilidade a todo o sistema político e evitar surpresas oferecidas no horizonte.