Setembro 20, 2024
Portugal está “a alinhar com as narrativas desinformativas europeias” sobre imigrantes, alertam investigador

Portugal está “a alinhar com as narrativas desinformativas europeias” sobre imigrantes, alertam investigador

A desinformação e o discurso contra os imigrantes, que dominaram o debate nas eleições na Europa, “ameaçam” chegar à campanha das eleições de 9 de junho, alertaram os investigadores do MediaLab/ISCTE Gustavo Cardoso e José Moreno. Num dos debates, o de segunda-feiraa desinformação foi, aliás, tema de discussão.

“Os nossos produtores de informação estão a alinhar pela bitola europeia, onde a corrupção é um tema menor, apesar de estar presente”, quando comparado com outros e, neste momento, o tema principal “é a imigração”, afirmou o sociólogo Gustavo Cardoso , coordenador do MediaLab, um instituto de estudo de ciências da comunicação integrado no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.

Numa entrevista à agência Lusa sobre o projecto do MediaLab com a Comissão Nacional de Eleições para o período da campanha das europeias e a que a Lusa se associou, com o objectivo de detetar e prevenir eventuais notícias falsas até ao dia da votação, Gustavo Cardoso admite ser “uma infelicidade que assim seja”.

Tanto Cardoso como José Moreno, outro investigador do ISCTE, que estudaram o fenómeno da desinformação em Portugal há vários anos, detetam mudanças: até agora, um dos temas prevalecentes em Portugal era a corrupção dos políticos, independentemente do partido a que pertencia.

“Estamos numas eleições verdadeiramente europeias se aceitarmos que esta é a primeira vez que falamos a sério de desinformação sobre questões que têm a ver com imigrantes e, mais do que isso, a relação da imigração e o mundo muçulmano, o mundo do Islão” , afirmou ainda.

Agora, Portugal está “a alinhar com as narrativas desinformativas europeias”, o que também é explicado com a agenda política e mediática das últimas semanas e meses. As outras áreas em que se produzem mais ‘fake news’ e desinformação na União Europeia são a guerra na Ucrânia, o clima, a covid ou até questões do quotidiano, como a proibição do papel higiénico devido às alterações climáticas, ou a retirada do ar dos pacotes de batatas fritas.

Projeção na fachada da Galeria Nacional de Arte, sem Sófia, apelar ao voto nas eleições europeias de junho próximo

NIKOLAY DOYCHINOV/AFP/Getty Images

“Nestas eleições, fruto também que foi a agenda noticiosa – porque estas coisas andam sempre a par – centradas nas questões da imigração, vimos lentamente o surgir da ideia deste discurso, do Islão e da imigração como um problema”, anotou José Moreno.

A agressão de imigrantes no Porto, no início de maio, “não são acontecimentos políticos, mas teve depois uma repercussão em notícia e o comentário de políticos”, como aconteceu com o líder do Chega, André Ventura, num encontro do Vox, em Espanha, há uma semana, segundo Gustavo Cardoso.

A explicação dessas dinâmicas é dada pelo coordenador do MediaLab: “Quando as notícias verdadeiras e os atores políticos falam sobre um determinado tema isso cria uma maior propensão para a desinformação sobre esse tema crescer. Isso é óbvio porque as pessoas estão mais atentas, há mais possibilidade de ser partilhada.” Por outras palavras, a “desinformação procura sempre viajar às costas de alguma coisa que esteja a acontecer” é como “viver da partilha” nas redes sociais, então “as coisas tendem a explodir”.

Políticos devem assumir “código ético”

Para prevenir a desinformação, Gustavo Cardoso considera que os partidos políticos devem fazer uma espécie de “código ético” para evitar a sua difusão pelos seus militantes no período eleitoral. “É um pouco a mesma coisa quando houve uma crise [financeira] fazer Lehman Brothers [2008]em que houve a assunção de um código ético por parte dos gestores sobre práticas empresariais que não deviam ser praticadas.”

O investigador explica que este “código ético” poderia ser um “convite da sociedade portuguesa aos partidos” para que estes “fizessem a pedagogia da não utilização de desinformação nas suas práticas perante os seus próprios militantes e os seus simpatizantes”.

Embora este seja apenas “um relato para a discussão”, Gustavo Cardoso está convencido de que em Portugal é preciso que haja esta “transversalidade” e que ela “até seria uma boa forma de tentar combater a polarização, uma vez que continham todos que assumem essa mesma responsabilização perante a sociedade”.

Segundo o investigador, os partidos pequenos são menos vigilantes em relação a este tema, porque eventualmente têm mais a ganhar do que a perder, mas à medida que crescem preocupam-se mais com a dimensão desinformativa.

O que – assinala – não quer dizer que os partidos não deem visibilidade à desinformação, mas fazem-no de maneira “mais conscienciosa”: “estão a proteger-se melhor nesse campo e, portanto, tendem a não fazer uso disso, pelo menos de forma tão direta”. Para Gustavo Cardoso, o grande desafio para as democracias neste campo é que a desinformação não seja feita na estrutura hierárquica dos partidos. “Os partidos nunca tiveram controle sobre seus militantes e espero que estes se comportem segundo aquilo que são as regras que eles acordam e que praticam, mas depois ninguém pode ter controlo sobre dezenas de milhares de pessoas nas suas práticas”, afirma.

A prevenção da polarização também é sublinhada pelo investigador José Moreno, segundo o qual é este fenômeno nas redes sociais que depois desencadeia uma série de “comportamentos comunicativos” por parte dos militantes, que “amplificam umas coisas, ou mentem descaradamente sobre outras, ou manipulam imagens”.

“Os partidos sempre tiveram militantes e os militantes sempre foram ativos na defesa dos ideários dos seus partidos”, diz José Moreno, “a diferença agora é que todos os militantes têm acesso às redes para compartilharemcomentarem, fazerem ‘like’ ou produzirem conteúdos” e, portanto, “se houver políticos que permanentemente estão a polarizar a situação e a acicar os seus para atacar os outros, do outro lado”, o que acontece é que existe “uma polarização completa em que ninguém fala com ninguém, em que toda a gente se digladia com toda a gente, e toda a gente recorre a tudo o que pode para combater o outro”.

Segundo o investigador, daí resulta uma “maior responsabilização dos atores políticos”, que deve perceber que tipo de discurso deve ter para não polarizar ainda mais a sociedade.

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