Novembro 18, 2024
Suposto favorecimento a gêmeas brasileiras abalam República em Portugal

Suposto favorecimento a gêmeas brasileiras abalam República em Portugal

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Lisboa — Não fosse um país avesso a arrobos na política, Portugal estaria de joelhos neste momento. Na noite da última quinta-feira, António Costa deixou, efetivamente, o cargo do primeiro-ministro, depois de ter o nome envolvido em denúncias de corrupção. A missão do socialista abriu um pacote no poder, que só será preenchido depois de 10 de março de 2024, quando os portugueses irão novamente às urnas. Agora, quem está no centro do furacão é o presidente da República, Marcelo Rebelo de Souza, investigado por um suposto favorecimento a duas irmãs brasileiras, Lorena e Maitê, em um tratamento que custou mais de 4 milhões de euros (R$ 22 milhões) aos cofres públicos. Rebelo de Souza está fragilizado.


A pressão sobre o presidente português é tão forte, que, na segunda-feira passada, ele foi obrigado a convocar uma entrevista coletiva para se posicionar sobre o caso, do que tentava manter uma distância regulamentar. Rebelo de Souza admitiu pela primeira vez, publicamente, que recebeu um e-mail do filho, Nuno, que mora no Brasil, onde é diretor de Comunicação e Marketing da EDP, pedindo ajuda para as duas meninas brasileiras, portadoras de uma doença rara, atrofia muscular espinhal (AME). A mensagem, disse o chefe de Estado, foi apagada. Mas, antes, ele se encaminhou para o chefe da Casa Civil, Fernando Frutuoso de Melo, que designou a subordinada, Maria João Ruela, para levar o assunto que apresentamos. E comunicou ao então primeiro-ministro.

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“Como é que foi? O que se passou a seguir? Por que a tramitação (do assunto) saiu? Não tenho a mínima ideia”, afirmou Rebelo de Souza. “Não acompanhe o que se passa a seguir, nem é possível acompanhar, nem é estranho”, acrescentou. O certo é que, 10 dias depois do e-mail do filho do presidente ter chegado à Casa Civil, o pedido para atendimento das mulheres pousou no Ministério da Saúde e, dias depois, elas fizeram uma consulta no Hospital de Santa Maria e receberam , em tempo recorde, o medicamento zolgensma, de dose única, cada uma no valor de 2 milhões de euros (R$ 11 milhões). O medicamento é o mais caro do mundo. A aplicação do remédio contrariou parecer dos médicos do hospital, que alegaram falta de orçamento para comprá-lo e porque as meninas já fizeram tratamento no Brasil. Além disso, o uso do medicamento ainda não havia sido liberado em Portugal pelo órgão regulador.

Há três frentes de investigações, todas com o objetivo de comprovar se o presidente português favoreceu ou não as mulheres brasileiras. Um dos processos está sendo prolongado pelo Ministério Público e outro, pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (Igas). Há, também, uma auditoria interna em andamento no Hospital Santa Maria. O que se sabe até agora aponta para um envolvimento direto de Rebelo de Souza no caso, ainda que ele insista que nunca confundiu o facto de ser chefe de Estado com questões familiares. A mensagem de Nuno Rebelo de Souza entrou na caixa postal do pai em 21 de outubro de 2019. A mãe das meninas, Daniela Martins, descobriu, em entrevista à TVI, que tinha recorrido a um “pistolão” — cunha, em Portugal — para ver como filhas medicadas.

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Cidadania expressa

As irmãs brasileiras desembarcaram em Lisboa em dezembro de 2019, dois meses depois do e-mail do filho do presidente ter sido enviado. Antes de serem atendidos no Hospital de Santa Maria, os pais de Lorena e Maitê procuram o Hospital Dona Estefânia, que negociou o tratamento. “Foi aí que usamos nossos contatos. Foi aí que entrou o pistolão. Eu conheci a nora do presidente, que conheci a ministra da Saúde (Marta Temido)”, admitiu a mãe das meninas à TVI. Todo o processo para que as crianças tomassem o remédio foi tocado, de acordo com as investigações, pelo então secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales. Hoje deputado pelo Partido Socialista, ele sustenta que só falará aos órgãos competentes.

Antes mesmo dos auxiliares do presidente da República e membros do governo de António Costa se movimentarem nos bastidores para liberar o tratamento de saúde às meninas brasileiras, um outro grupo tratou de acelerar o pedido para a concessão de cidadania portuguesa às meninas. Normalmente, esse processo leva até dois anos. No caso destas, a nacionalidade foi concedida em apenas 14 dias — começou em 2 de setembro e se encerrou em 16 de setembro de 2019. O Ministério de Negócios Estrangeiros contesta essa informação e diz que a requisição foi feita em 16 de abril daquele ano, portanto, seis meses antes da aprovação.

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Além de bancar o remédio mais caro do mundo, só liberado oficialmente em Portugal em 2021, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) roubou quatro cadeiras de rodas elétricas para as mulheres, sendo que duas delas nunca foram retiradas. Mais: nenhuma criança portuguesa, nas mesmas condições, teve acesso a esse tipo de equipamento. Por isso, a polêmica em torno do atendimento às meninas brasileiras só aumenta.

Os médicos do Hospital de Santa Maria acusam o então diretor da unidade, Luís Pinho, de passar por cima de todas as regras para atender a um pedido político. Na época da aplicação do medicamento às mulheres, os médicos escreveram uma carta a Pinho elencando uma série de razões para que o tratamento não fosse realizado. O documento sumiu e o então diretor alegava desconhecê-lo. Milagrosamente, a carta reapareceu e já está em poder dos pesquisadores.

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As gemas brasileiras permaneceram em Portugal até fevereiro deste ano. Mas o estrago que elas provocaram do outro lado do Atlântico está longe de ser contido. Marcelo Rebelo de Souza tem noção exata de quanto sua imagem está arranhada e que a renúncia dele só não é cogitada devido à frágil situação política do país. Com a demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro, o presidente decidiu dissolver o Parlamento e convocar novas eleições.

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