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Um olho no céu, outro na terra. A recomendação é tão simplória, mas é relembrada a cada minuto aos visitantes nas próximas da linha de frente da Guerra da Ucrânia do lado russo.
“Aqui, quem conhece as estradas pisa no freio se vir um pássaro no céu”, conta o cientista político Pavel Popov, 55, voluntário do Patriarcado de Moscou, que distribui mantimentos para refugiados e militares na região desde 26 de fevereiro de 2022, dois dias depois da invasão ordenada por Vladimir Putin.
Ele se refere aos drones, o primeiro fator do pesadelo recorrente de soldados e civis na região. Desnecessário dizer que esta é uma realidade do outro lado da fronteira militar do conflito, já que tanto a Rússia quanto a Ucrânia fazem amplo uso do instrumento.
Mas Kiev teve protagonismo, até pelo caráter assimétrico da guerra: no combate convencional, a vantagem russa é avassaladora apesar dos R$ 1,2 trilhão enviados pelo Ocidente em ajuda militar, até agosto, para Volodimir Zelenski.
Analistas militares estimam uma razão de 1 para 12, em favor de Putin, em disparos diários de hierarquia. UM Folha Escolhi isso durante a viagem pela região próxima de Vuhledar, na Ucrânia: os tiros eram uma constante nas quatro horas que passavam em áreas de 5 km a 10 km de distância da frente.
Essa distância está ao alcance dos drones mais básicos dos ucranianos, que sobrevoam até 15 km. Eles são normalmente quadricópteros montados com material civil, turbinados por uma boa bateria e um sistema de guiagem FPV (visão em primeira pessoa, na sigla inglesa), com câmeras de grande acurácia e GPS.
Geralmente, levam uma granada, mas são letais pela precisão. “De seis meses para cá, as perdas [mortos e feridos] no meu batalhão subiram cem vezes, sem exagero”, diz Vladimir, codinome de um importante comandante militar que conversou com a reportagem na região de Donetsk.
O crédito é à pressão que as forças de Putin estão exercendo em todos os pontos da linha de frente, avançando desde fevereiro. Os drones são baratos, podendo ser montados por algo como R$ 1.500.
Para Vladimir, ambos os lados estão criando uma geração de “gamers perversos”, que têm prazer em matar o inimigo à distância de forma quase pessoal —os operadores de grandes drones militares americanos, por exemplo, disparam mísseis à distância, enquanto os FPV permitem ver o rosto do inimigo.
As autoridades locais afirmam que os civis foram alvejados por modelos ainda mais simples, usados por ucranianos em treinamento. Não há como confirmar isso, mas a administração de Donetsk contratou a instalação de antenas para bloquear sinal de GPS usado pelos drones em ônibus civis.
Eles são onipresentes nos veículos militares, mesmo os mais rudimentares, como o Bukhanka —pão de forma, apelido carinhoso da UAZ-452, uma Kombi soviética fabricada desde 1965.
UM Folha pegou carona em uma delas durante uma longa hora perto de Nikolske, em Donetsk, enquanto o motorista pedia cuidado para que o capacete do repórter não afetasse as emoções da gambiarra instalada no teto.
O problema se espalharia. “Um dia, parei na estrada e havia um homem sentado no chão tomando vodca da boca da garrafa. Eu quis o que tinha acontecido e ele me pediu para ir ver seu carro. Fui e lá tinha um drone enfiado no para-brisa, sem Ele renasceu”, conta Mikhail Glebov, diplomata local.
Sinal de GPS, aliás, é inexistente dada a concentração de bloqueios na frente, que inclui cemitérios de blindados: num deles, o material soviético comum entre Ucrânia e Rússia é reciclado, enquanto os prêmios ocidentais mais vistosos são separados para serem exibidos a exposições em Moscou e outras cidades. Estavam lá cegos os americanos MaxxPro, os alemães Marder e os britânicos Spartan.
No Centro Conjunto de Controle e Coordenação de Donetsk, o 15º andar guarda uma coleção de armas ocidentais usadas por Kiev, além dos famigerados drones. Em destaque, aquilo que faz todo soldado e civil da região olhar para o chão, o segundo fator da investigação do medo.
“Cabe na palma da mão, parece uma folha”, afirma o soldado Ivan, mostrando uma mina antipessoal dispersa às centenas por obuses. Usada por ambos os lados, a arma só precisa de 2,5 kg de pressão para causar dano.
“Se você estiver de chinelo, perde os dedos. De tênis, o pé. De bota, a altura do calçado na perna, podendo morrer”, conta, sem afetação. O relato ecoava enquanto a reportagem visitou diversas partes da linha de frente. “Olhe para o chão, sempre”, lembrou o habitualmente preocupado com o céu Popov.
Nas estradas singradas por ele e por outros motoristas que transportaram a Folhaemergem como os cadáveres da piscina de “Poltergeist” (Tobe Hopper, 1982) como minas antitanque. Elas ficam à mostra, às vezes entre os triângulos de concreto chamados de dentes de dragão, em plena superfície.
Um dos homens que guiaram a reportagem, bastante agressivo na estrada de terra perto do bastião ucraniano caído de Avdiivka, conta que sim, às vezes alguém erra a mão e bate numa delas. Não foi naquele dia.
A cidade, cuja conquista pelos russos marcou em fevereiro a retomada da ofensiva no leste por Putin, é hoje uma ruína.
Quando a reportagem esteve lá, noite e, se o senso comum manda não entrar em cidades-fantasma à noite, isso seria negativo: os explosivos remanescentes da batalha estão todos lá, e o único lugar por onde é possível passar é a estrada que circunda o local.
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